segunda-feira, junho 13, 2011

O diário de Lot - O extraordinário (Parte II)

                                   
"Ao ouvi-lo, ficava muito impressionado e o escutava de boa vontade"

Depois então, de meia hora, ela puxou assunto:

R: - Poxa Lot, incrível o que você falou, parabéns!
L: - Valeu Renata, você sabe que, como sempre digo inclusive hoje, foi um presente que ganhei, não mérito próprio.
R: - É exatamente sobre isso que eu queria falar.

Me surpreendi, porque com nenhum outro colega o assunto tinha se estendido tanto.

L: - Como assim?
R: - Eu vim para cá bastante satisfeita, porque acho que feliz não é a palavra correta, felicidade é o que você tem, não eu. Estava satisfeita porque passei em um concurso, estou ganhando bem, ajudo minha família e posso farrear, saí de casa, comprei um carro bacana e não estou solteira com o dia dos namorados chegando - ela falou essa última frase meio constrangida, rindo um pouco.
L: - Sim, eu fiquei sabendo, fiquei muito feliz quando ouvi as notícias.
R: - Pois é...mas apesar de tudo, não me sinto feliz...não me sinto justa como você.
L:  - A origem da minha felicidade não é mistério, agora... - ela me interrompeu.
R:  - Exatamente! Eu sei! Mas deixa eu reformular. Não me sinto justa o suficiente para ser feliz como você! É muito mais fácil ser medíocre do que ser extraordinário.
L: - Em tese, até deveria concordar com você, mas sei que não é bem assim.
R: - Como não?
L: - Quando você conhece a justiça, o extraordinário (não o sobrenatural, o extraordinário), passa a ser comum para você. Já o comum, é bem difícil, você fica incomodada com ele.
R: - Como extraordinário, não sobrenatural, não é a mesma coisa?
L: - Não. É o que todos pensam, mas não é. Num mundo individualista e competitivo como o nosso, aqueles que se importam com o próximo, que amam seu próximo a ponto de se importarem com ele, esse é o que é extraordinário. Mas não é algo sobrenatural.
R: - Mas para fazer boas ações está cheio de gente. Até mesmo de gente que faz tudo de errado, gente que não é justa como você.
L: - Ok, ainda vamos discutir essa justiça minha, mas até mesmo esses, mesmo que o façam em busca de fama, reconhecimento, abatimento de impostos, ou mesmo para se sentirem bem, estão sendo instrumentos da justiça, mesmo não sendo justos. O criador de tudo é quem faz isso acontecer.
R: - Ok, mas Lot, você é justo! Eu sou uma pessoa boa, mas não justa...não assim como você.
L: - Justo é aquele que foi justificado. E só pode justificar, ou seja, imputar justiça, aquele que não precisa ser justificado, porque já é a justiça. Nesse sentido, até que sou sim, justo.
R: - E o que eu preciso para ser justificada então? Depois de hoje não vou conseguir me contentar com a mediocridade.

Expliquei para Renata o que era preciso, abrir as mãos e o coração para receber o presente. E nossa conversa durou tanto que alguns minutos depois a festa acabou. Fiquei sabendo que ela tinha se tornado então uma justa, e tinha levado seus parentes e namorado com ela. Mas, pela segunda vez, nos poucos minutos que restaram, fiquei observando meus colegas. Vi que os mesmos sorrisos vazios permaneciam nos rostos daqueles que vieram mais cedo me agradecer pelo toque que eu dei.

Foi então que eu percebi que até o injusto reconhece a justiça, mas é preciso se incomodar com a própria injustiça para ser justificado.

Ninguém aceita algo que sabe que não merece de forma alguma receber, se não reconhecer que precisa daquilo mais do que o próprio ar que respira para sobreviver.

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