sábado, agosto 31, 2013

Peixinho dourado


Meus meninos aqui nos EUA ganharam uns peixinhos dourados. Eu me lembrei da minha infância.

Eu não podia ter bichinhos de estimação, meu pai não gostava e não me deixava ter. Só peixe. Peixinhos dourados normalmente morrem rápido, mas eu tive um que viveu um ano. Daí ele morreu. Fui pra escola chorando e quando me perguntaram o que foi falei que meu peixe tinha morrido. Eu me lembro claramente de todos rindo de mim, porque era só um peixinho dourado.

O ser humano é assim, faz escalas de sofrimento desde criança. Perder um cachorro e ficar triste, pode, perder um peixinho não. E daí que o peixinho era com quem você conversava todas as noites? E daí que você era filha única e seus únicos amigos da rua tinham se mudado? Era só um peixe, pelo amor de Deus!

A situação toda pode ter te feito sentir pena, mas na verdade a gente continua agindo assim quando cresce. A gente julga o sofrimento por escalas, sem considerar nenhum outro fator. Só é digno o sofrimento de quem perdeu alguém pro câncer, ou perdeu a casa num incêndio. A menina e o menino que choram por não terem um namorado estão fazendo tempestade em copo d'água, não sabem esperar em Deus. E daí que a pessoa sonha em formar família e vê esse sonho morrendo cada dia que passa? E daí que todo mundo te julga por estar solteiro "até hoje"? É só um desejo bobo de beijar na boca, pelo amor de Deus!

Eu não vou nem falar de outros "sofrimentos pequenos", porque quero mesmo enfocar a questão do namoro aqui, do relacionamento. Acho que a maneira que a igreja tem tratado esse assunto de maneira muito errada e, justamente por considerar ser algo de menor escala acaba fazendo muito jovem sofrer - e muito, por isso.

A partir do momento que encaramos que alguém que é cristão quer um namorado(a) não apenas por desejos físicos, mas porque anseia mesmo com o dia em que vai ter uma família de sua, poderemos corrigir a visão.

Eu vejo muito - "você é amada por Deus" e muito "menino, não transe antes de casar", mas poucas instruções práticas sobre o que é um relacionamento de verdade. Porque o que não falta é gente se casando irresponsavelmente só para poder ter a "aprovação de Deus" para transar.

Não vou chegar a dizer que o enfoque no sexo é tão errado assim. Acho que falar sobre isso num mundo onde tudo é sexo é totalmente válido, mas a vida de casado não se resume a isso. O relacionamento entre homem e mulher não se resume a isso. E a abordagem da maneira como é feita é também perigosa. Sexo antes do casamento é pecado, e depois também não pode fazer isso, isso e aquilo.

Eu não sou casada para poder falar, mas poxa, para mim sexo envolve muito mais que isso. Tratar o sexo de uma maneira tão mecânica como a igreja muitas vezes trata contraria até a própria natureza do ato.

Bom, voltando ao assunto do "sofrimento banal", é preciso e muito válido sim, querer que a pessoa pare de sofrer. Mas assim como as frases automáticas de "pelo menos agora ele descansou", para quem perde alguém pro câncer, fazem a pessoa até se sentir mal pela saudade, o "Deus vai te dar alguém na hora certa, é só você esperar" também fazem o solteiro se sentir menos digno ao invés de ajudar.

Meu apelo, enfim, é que nos lembremos, mais uma vez da graça e deixemos os julgamentos, preconceitos e frases feitas de lado. Um pai não quer saber se o filho quebrou o braço ou se arranhou de leve, quando o vê chorando tudo que quer é fazer a dor passar. Deus nos escolheu como transmissores da sua graça - que não estejamos fazendo essa imagem chegar distorcida ao nosso próximo.




quinta-feira, agosto 29, 2013

Graça, justiça, pecado e perdão


Durante uma das palestras do Philip Yancey no Wild Goose Festival ele contou sobre uma fila de supermercado que enfrentou. Era um caixa rápido e alguém que estava com mais itens que o permitido. O sistema saiu do ar, alguém pagou com cheque e o inglês da atendente não era dos melhores.

Seu instinto natural foi de querer reclamar do homem e pensar mal da moça. Mas uma de suas orações diárias é que Deus o ajude a enxergar as pessoas como Ele as vê. Resumindo a história, ele foi super simpático com a moça e alegrou o dia dela.

A graça é ilógica e, por isso, não é nada fácil de ser colocada em prática. No momento em que escrevo esse texto acabo de ler uma notícia: um garotinho chinês teve seus globos oculares arrancados possivelmente para tráfico de órgãos. De família pobre, o menino tem fissura lábiopalatina, o que pode ter sido o motivo para ter sido escolhido como alvo.

O garoto ainda não entendeu o que está acontecendo. "Ele perguntou por que estava escuro e por que ainda não havia amanhecido", contou um tio dele (Fonte: G1).

A reação inicial de qualquer um é querer arrancar os olhos de quem fez isso, ou até pior. Mas não é assim que a graça nos ensina a agir.

Sua ação ilógica, desconfortável e até escandalosa, é o perdão. É eu querer orar não só pelo menininho que provavelmente vai ter um futuro bem difícil depois dessa barbárie, mas orar também pelo agressor.

Não é fácil, não é natural. Chega a ser injusto. Mas Deus perdoou criminosos à beira da morte e condenou religiosos com altos padrões de moral. Dá até pra entender os que condenam o cristianismo de injusto quando se vê por essa perspectiva.

Não estou dizendo que a agressora não deve pagar pelo seu crime. As consequências desse ato hediondo, entretanto, são de responsabilidade da justiça humana. O fato de recebermos o perdão, por qualquer pecado que seja, não nos livra de enfrentar as consequências do que fizemos - elas servem inclusive como forma de ensino.

O preço da salvação, para todos, é um só e sem direito a cupom de desconto - a perfeição. Nenhum ser humano é, foi ou será de capaz de atingi-lo. Então Deus, por sua infinita misericórdia, se tornou humano como nós, morreu a morte que nos estava reservada por meio de Jesus Cristo. Ele nos salvou da perdição certa.

Devemos viver a vida em eterna gratidão à essa graça. Ainda que ela venha a ultrajar nosso senso de justiça.

quarta-feira, agosto 14, 2013

Mais que eu sonhava - o encontro com Philip Yancey (e sua esposa)

Aos 11 anos de idade estava em um Encontrão de Gente Miúda, uma espécie de mini congresso cristão infantil que acontecia na minha igreja da época, Batista da Floresta. O tema era oração ou algo do tipo, nem me lembro bem. Mas me lembro de um sorteio que estava acontecendo. Eu estava aprendendo ainda o que era a fé, oração e tudo mais. Um dos itens do sorteio era uma bicicleta e eu não tinha uma bicicleta, porque era muito cara. Eu me lembro de pensar: "se eu orar sem parar, quem sabe Deus não me ouve e eu ganhe a bicicleta". E foi assim que aconteceu, orei, literalmente, sem parar. Mesmo sendo só no pensamento, fiquei sem fôlego algumas vezes, mas continuei até o sorteio. E eu fui sorteada. Foi o primeiro e um dos poucos sorteios que ganhei na vida.

Claro que a fé e a oração não funcionam sempre desse jeito, e eu viria a aprender isso. Mas eu serei sempre agradecida por Deus ter ouvido aquela minha oração de criança.

Um pouco mais tarde, aos 13 anos de idade, li meu primeiro livro de mais de 200 páginas, "Maravilhosa Graça". Naquele momento minha vida mudou completamente. Ficaria ainda alguns anos até voltar a ler Philip Yancey de novo, na faculdade, mas nunca vou me esquecer daquele momento.

Como os leitores antigos e amigos próximos sabem, eu me correspondo por e-mail com o autor há alguns anos. Na tentativa ainda não concluída de escrever um livro, e em toda minha caminhada cristã nesses últimos anos, ele tem sido meu mentor e conselheiro.

Um dos meus maiores objetivos ao vir para os Estados Unidos era conhecê-lo. Procurei onde ele estaria publicamente, já que viajar pro Colorado do nada e bater na porta da casa dele não me parecia ser uma boa opção. Foi quando descobri o Wild Goose, que, como vocês viram pelo post de ontem, foi muito além do Philip.

Depois dessa longa, mas necessária, introdução, vou contar então como foi o encontro.

A primeira pregação dele seria na sexta às 11h30. Como voluntária, não estava escalada para a manhã, então acordei, tomei meu café e sentei com minha toalha no lugar mais próximo do palco para esperar por ele e assistir o resto da programação.

Teve uma discussão sobre igreja emergente - fantástica - e, depois, uma discussão sobre racismo e igualdade social. Durante essa discussão houve um exercício em grupo. Tínhamos que contar uma situação onde nos sentimos incluídos em um grupo social qualquer, e outra em que nos sentimos excluídos. Era minha vez de falar quando eu o vi chegar.

"Oh my God! Esse é o Philip Yancey! Ele está aqui mesmo! É ele! OMG!"

Enquanto me perdi no que estava falando ele se dirigiu à barraca onde os preletores se preparavam pra palestra. Eu me distanciei do meu grupo e voltei pro meu lugar de origem, aguardando a palavra do Philip começar. Foi quando conheci mãe e filha missionárias do post anterior. Ela me convidou a apoiar as costas na perna dela, caso precisasse (ela tinha uma dessas cadeiras portáteis), e colocou uma sombrinha em cima de mim porque o sol estava muito quente.

A introdução do Philip resume bem a diversidade que eu comentei ontem, sobre o festival: "Eu não sei exatamente porque me chamaram pra falar aqui. Eu como carne, não tenho tatuagens (nenhuma que eu vá contar a vocês, pelo menos), sou casado - com uma mulher. Mas fico muito honrado por ter sido convidado!"

Ele pregou nesse dia basicamente sobre seu testemunho de vida, sobre como foi crescer numa igreja fundamentalista no sul dos Estados Unidos. Para quem já leu quase todos os livros dele, meu caso, não tinha nenhuma grande novidade, mas só de ouví-lo falar ao vivo já tinha sido fantástico.

Ao terminar, ele abriu então para perguntas do público. Nesse momento eu percebi que toda minha preparação, sobre o que diria a ele, ao longo dos anos, tinha simplesmente desaparecido. Eu queria falar, mas não sabia o que perguntar. Um rapaz o perguntou sobre o fim da história de seu irmão mais velho e eu lembrei que isso não estava em nenhum livro, mas o próprio Philip havia me contado quando fiz a mesma pergunta por e-mail.

A saber, ao contrário de Philip, seu irmão Richard, seguiu odiando os cristãos e a igreja quando cresceu. Ao dizer que queria estudar na Wheaton College, uma renomada instituição americana (fundada por Billy Graham, inclusive), a igreja o condenou e disseram que iriam orar pra que ele sofresse um acidente e morresse, ou, ainda pior, ficasse paralítico. Bom, o acidente não aconteceu, mas há alguns anos Richard sofreu um derrame e hoje só consegue falar com a ajuda de aparelhos, pois só move os olhos. Alguns dos antigos membros da igreja dizem ser resposta de oração de Deus. É muito triste saber que ainda existe gente assim na igreja. Não aprenderam com Jó e não sei se um dia vão entender o que é a graça e a justiça de Deus.

Quando ele terminou de pregar eu estava determinada a ir conversar com ele, mas ao mesmo tempo aterrorizada. Quem me conhece sabe o quanto eu sou tímida. Mas daí a senhorinha missionária foi conversar com ele e eu tomei coragem e fui com ela. Segue o diálogo:

- Ei Philip, não sei se você se lembra, mas eu sou Dani, escrevo e-mails pra você há algum tempo...
(arregalou os olhos) - Dani! Claro que lembro! Me dá um abraço! Janet, essa aqui é Dani, do Brasil, que veio aqui me ver! Como você veio parar aqui?
- Eu vim de ônibus.
- Sério? Quantas horas de viagem?
- Aham, 14 horas de viagem até Charlotte.
- E de lá pra cá?
- Dividi um carro alugado e com mais umas 4h estava aqui.
- Que legal! Puxa, que legal! A família que você está agora é boa?
- Sim, eles são maravilhosos!
- Estou orgulhoso de você! A gente se vê pelo acampamento então!
- Ok =)

Daí a Janet veio falar comigo:

- Como você descobriu que ele estaria aqui?
- Eu pesquisei onde poderia vê-lo, descobri o festival, achei super legal a ideia e resolvi vir.
- Essas crianças de hoje em dia, descobrem tudo pela internet! (comentando com a assistente do Philip, que estava do lado). E como foi a recepção americana pra você, te trataram bem?
- Bom, a primeira família não foi muito boa, mas agora estou numa ótima família!
- É, eu sei. Mas que bom que está tudo certo agora! Como foi sua viagem?
- Boa, cansativa, mas boa!
- E você está aproveitando o festival?
- Sim, não posso ver tudo, porque estou trabalhando como voluntária. Mas é bem legal poder trabalhar também.
- E ainda está trabalhando como voluntária?!? Você tem uma daquelas blusas verdes?
- Sim, não uso o tempo todo porque bem, tenho que usá-la por quatro dias.
- É, você não quer que ela fique toda suja. Nós viajamos um tempo de carro também. Chegamos 1h30 da manhã e eles nos colocaram num bed and breakfast - você sabe o que é isso? (sei) - pois é, foram super gentis, a gente chegou tão tarde, mas eles levantaram e foram nos atender mesmo assim. Bom, o Philip tem uma agenda a seguir, você sabe, mas com certeza a gente se fala depois por aqui. Amanhã às 16h tem a sessão de autógrafos, não se esqueça de passar por lá.
- Ok =)

Saí de lá tremendo e fui me preparar pra almoçar e começar meu turno de trabalho do dia, que era às 13h. Nesse meio tempo descobri um trailler onde ele estava quando estava no congresso. E fui trabalhar. Não que eu o estivesse seguindo, mas parte do meu trabalho como voluntária era andar pelo acampamento e ver se tinha alguém precisando de ajuda. Esqueci de contar ontem sobre o Ken, mas ele foi meu companheiro de trabalho. Ele é casado e têm três filhos, além de uns 10 intercambistas que recebe por ano em sua casa. Sua filha mais velha está na faculdade, o do meio acabou de ser aceito numa faculdade local e o mais novo acabou de entrar no ensino médio. Motivo pelo qual ele vai parar de receber intercambistas por um tempo, pra poder se dedicar aos estudos desse filho. Bom, mas estávamos andando e conversando, e eu cruzei pelo caminho com o Philip umas 10 vezes. Não tive coragem de ir conversar de novo e pedir uma foto, mas ainda não acreditava que o estava vendo toda vez que isso acontecia.

Fui dormir muito feliz e, no dia seguinte, trabalhei algumas horas de manhã - porque cheguei muito tarde na quinta, e estava escalada, então quis pagar minhas horas. 12h30 era a segunda pregação do Philip. Quando larguei o "serviço" para ir sentar no meu lugar vi o Philip conversando com um rapaz e uma moça. Como era cedo, resolvi esperar e ver se conseguia minha foto com ele. Fiquei atrás de uma árvore observando tudo, torcendo pra que ele não me visse e achasse que eu o estava perseguindo. A conversa com o rapaz, entretanto, demorou demais e já não ia dar tempo, então resolvi ir sentar. Nessa hora Janet apareceu e eu, muito feliz por vê-la, fui conversar com ela. Ela perguntou se eu estava com sede, falei que minha garrafa de água estava cheia. Perguntou se eu estava com fome, e eu disse que não. Ela me deu uma barrinha de cereal e disse: "não quero te ver com fome!". E me convidou pra sentar com ela.

Na mesa ela me apresentou aos seus amigos:

- Essa é Annie, nossa amiga do Brasil (eu corrigi da primeira vez, mas, como ela não ouviu ou não entendeu, meu nome passou a ser Annie pra ela, rs).

Philip pregou sobre oração nesse dia, baseado em seu livro sobre o tema. Estar sentada ao lado da Janet durante a pregação foi uma experiência fascinante. Eu a vi vibrar quando ele contou sobre suas escaladas às montanhas. E a vi quase chorar e ficar alguns segundos encarando o céu, quando ele contou sobre o acidente que quase o tirou a vida. No fim, eu peguei o celular e estava tomando coragem pra pedir uma foto com ela, quando ela disse:

- Você quer uma foto com o Philip, né?
- É, e com você também, se possível.
- Claro, será uma honra! Vamos lá, que o Philip tem uma peça pra assistir agora, então temos que correr pra tirar sua foto.

Fomos ao encontro do Philip que, ao me ver, sorriu e disse:

- Dani! Que bom te ver! Alguém da sua família ou amigos vêm te visitar esse ano?
- Acho pouco provável, as passagens são muito caras.
- É, eu sei. Você é muito corajosa! Quanto tempo vai ficar aqui ainda?
- Até março ou abril do ano que vem, provavelmente.
- Que legal! Eu espero que agora realmente esteja melhor que no início.
- Sim, está maravilhoso agora!
- Que bom!
Janet interrompeu, dizendo que eu queria uma foto com eles.
- Opa, claro!
Daí eu agradeci e ela disse que eles precisavam ir pra peça.
- Mas, você sabe de uma coisa, pesquise um vôo pra Denver - ou trem, interrompeu a assistente - é, ou trem, e você será nossa convidada de honra por uns dias lá em casa. Será um prazer te receber.
- Ok (eu realmente perdi as palavras todas nesse momento), eu vou, boa peça. Obrigada!
- A gente se vê por aí mais tarde - disse o Philip
- Ok.
- Você almoçou? - Janet de novo.
- Não, estou indo agora.
- Precisa de dinheiro?
- Não, eu tenho aqui.
- Bom, tome aqui algum assim mesmo. Considere presente de Deus. (o interessante é que, no caminho de ida, tinha perdido $40. Coloquei no bolso e deve ter caído no caminho e eu não percebi. Ela me deu $20).

Fui almoçar absolutamente extasiada, e depois fui assistir a entrevista com o Brian McLaren. Daí subi pra sessão de autógrafos. "É só seguir onde a lama está indo" - disse o Philip mais cedo, ao orientar o pessoal a chegar à tenda.

Cheguei lá e ele não estava ainda. Eu o vi chegar, mas resolvi esperar um pouco. Uma moça e um rapaz chegaram, daí fui.

- Dani! Que bom te ver! Eles estão esperando pelo Brian McLaren, então você é a primeira pra mim aqui =)
- Ok, hehe. - entreguei os três livros pra ele. O meu, comprado previamente, que molhou na chuva, infelizente. E os dois que comprei pros meus amigos.
- E-gleidson. Esse nome é brasileiro?
- Nem lembro. Acho que não.
- É, não me parece brasileiro. Patrícia, é com acento?
- Sim.
- Então, me conte de novo, 14h de ônibus mais 5h de carro, pra vir aqui?
- Aham
- Estou muito orgulhoso de você! E foi uma honra te conhecer pessoalmente! Seu turno começa daqui a pouco, a Janet me contou, né?
- É.
- Te vejo por aí então.
- Ok =)

Voltei a trabalhar e a Janie me disse que precisavam de gente no estacionamento. Daí, em meio à chuva que estava presente em todas as tardes/noites do acampamento, vi o Philip indo pro carro. Pensei comigo: "tchau!", mas não falei nada.

Fiquei surpresa quando o vi no domingo de manhã, assistindo Brian McLaren. Não assisti tudo porque estava trabalhando nesse dia. Daí me colocaram na portaria. Pensei: "seria legal se ele passasse por aqui e eu pudesse dar tchau". Alguns minutos depois lá estava ele. Ele me viu e veio se despedir.

- Dani! Te colocaram aqui hoje?
- É.
- Vai ficar aqui o tempo todo?
- Não sei. Vou até meio dia, mas talvez eles me mudem de lugar.
- Bacana! Bom, foi um prazer finalmente te conhecer pessoalmente. Quem sabe depois eu não vá te visitar no Brasil também?
- Isso ia ser muito legal!
- É, bom, boa viagem pra você, que Deus te abençoe.
- Amém, a vocês também.

Dessa vez não fiquei orando sem parar, mas com certeza me lembrei daquela oração aos 11 anos para ganhar a bicicleta. O fato é que nem em sonhos eu sonhava com tudo o que aconteceu nesse encontro com Philip e Janet Yancey. Eu me lembro de conversar com meu irmão, Egleidson, e dizer: "eu queria conhecer um dia o escritório dele. E a Janet, porque ela parece ser uma senhorinha muito legal!"

Lembro vividamente de cada coisa que aconteceu nesse festival, mas ainda me pego pensando: "Meu Deus, esse é o Philip Yancey ao meu lado nessa foto!", toda vez que olho pra essa foto que tirei com eles.

Deus cuida da gente. Em cada pequeno detalhe, ele cuida da gente.


terça-feira, agosto 13, 2013

Mais que eu sonhava - a viagem pra Carolina do Norte e o festival Wild Goose

Bom, colocar o blog de volta à ativa com essa postagem e a próxima que se segue realmente me deixa muito feliz - primeiro, porque estou voltando a atualizar o blog (quem escreve sabe a angústia que é ficar meses sem nenhum texto novo) e segundo porque contar essa experiência aqui com certeza me deixa muito contente.

Eu vou contar essa história por meio de personagens - sejam eles lugares ou pessoas - porque com certeza essa viagem com a surreal experiência que eu tive, foi construída por meio de personagens muito importantes. Um deles, ou dois, Philip Yancey e sua esposa, Janet, vão ficar pro próximo post, porque são um capítulo à parte disso tudo, sem dúvidas.

Algumas considerações a serem feitas antes da introdução dos personagens: por ser um post extremamente pessoal, estou contando minha experiência, sem intenção nenhuma de causar nenhuma polêmica em nada que falar. O Festival Wild Goose é um festival cristão que tem como base a justiça social, igualdade e um espaço para promover arte e música cristãs.

Então vamos parar com a enrolação e começar nossa aventura:

GreyHound

Famosa linha de ônibus dos Estados Unidos. Minha host mother me sugeriu olhar o valor e, realmente, era muito mais barato que ir de avião. Super curti a ideia, porque poderia viajar e observar a passagem enquanto ainda tivesse luz do sol para tanto.

O interessante é que 90% dos passageiros eram negros, assim como no bairro onde a estação fica localizada. Como a maioria dos leitores desse blog deve saber, eu não estou nem perto de ser morena, haha. As pessoas me olhavam como se eu não pertencesse àquele lugar. No caminho de volta até sofri de um "racismo ao contrário" que nem vale à pena citar aqui.

Mas achei no mínimo interessante estar "do outro lado" e sentir literalmente na pele o que os negros sofrem por alguns momentos. Claro que foi uma parte bem superficial do processo. Sei que a situação dos negros, especialmente aqui nos EUA é ainda bem complicada. Sei que o racismo vai muito além do que vivi. Porém, como "imigrante" aqui também sei como funciona essa divisão de classes por aqui.

Tim Gosset

Conheci o Tim num evento criado no Facebook para o festival. Dividimos o carro que ele alugou junto com mais duas garotas.

Mas a história do Tim é tão fantástica, que não poderia deixar de citar. Em uma conferência de jovens, muitos anos atrás, Tim conheceu uma pessoa que o inspirou e incentivou a escrever. Mesmo sem nunca ter planejado se tornar escritor, ele hoje já tem alguns livros publicados e escritor se tornou uma das carreiras que ele tem.

Ele é casado. Tentaram engravidar por alguns anos mas, sem sucesso, partiram para tentar a adoção. Queriam adoção internacional como a maioria dos americanos, já que o processo para adoção local nos EUA é complicado e às vezes o governo pode simplesmente decidir devolver a criança para os pais biológicos, uma vez que esses se recuperem de vícios ou prostituição.

Enfim, tentaram, sem sucesso também, adotar uma criança de El Salvador. Conheceram então uma moça de El Salvador que era cristã e queria dar seu bebê para adoção. Tudo acertado, até o momento do parto, onde a mãe resolveu que não queria mais dar o bebê.

Começaram o processo todo de novo, até acharem uma jovem de sua igreja. Tudo certo de novo, mas a moça perdeu o bebê.

Por fim, há alguns anos, quando estavam prestes a desistirem, conheceram uma moça e foi assim que vieram a ser pais de um doce menininho de três anos.

Tim é líder de um grupo de jovens em sua cidade em Idaho.

Natureza

Foi o meu primeiro acampamento de verdade. Repelentes não foram suficientes e estou toda cheia de picadas de insetos (às quais sou alérgica). Presenciei a captura de uma cobra e acordei um dia com uma linda (e gigante) aranha no "teto" da minha barraca. Agradeci a Deus por ter minha cama e banheiro sem ser químico de volta.

Mas faria 10, 100 vezes mais de novo. O contato com a natureza, por mais que tenha seus contratempos (a gente não a controla, o que é uma das coisas mais bacanas de se estar em contato com ela), é algo simplesmente fantástico.

Antes desse acampamento o mais perto que tinha chegado do que vivi foram minhas "escaladas" pela Serra do Curral e as viagens para São Sebastião de Soberbo (a minha roça, que ia sempre, antes que se precipitem em dizer que o primeiro parágrafo dessa seção vêm de "menina da cidade"), mas ainda assim o acampamento foi absolutamente fantástico.

Um dia acordei mais cedo e sentei em beira ao rio que cortava o acampamento. Eu esqueci o nome, mas me lembro da Janet (Yancey) me dizer algo como "é o rio mais antigo e um dos mais importantes daqui dos EUA". Fiquei por horas apenas observando o rio correr.

Vocês já notaram o fato óbvio que o rio nunca para de correr? Que ele está sempre em movimento? O rio só para de correr se não tiver mais água nenhuma, pois até um filetezinho ele ainda faria correr. O rio só para quando está morto.

Não é uma lição para nós? A gente não pode parar de "correr", de batalhar pelos nossos sonhos, de correr para o nosso alvo. Às vezes, em tempos muito difíceis, tudo que nos resta é um pouquinho de água (força), mas temos que continuar fazendo essa água correr. E, na verdade, nós não temos que fazer isso por nós mesmos. Quem controla a correnteza do rio, muito além das explicações científicas, é o mesmo que nos controla. Deus sempre vai nos dar a força para continuarmos em frente. Mesmo quando parece que estamos prestes a "morrer", Ele está lá. As circunstâncias às vezes vão evidenciar o contrário, mas o fato é que Ele sempre está conosco.

Brasil

Na sexta-feira sentei no chão e fiquei esperando a pregação do Philip Yancey. Estava enrolada na minha bandeira do Brasil.

Um senhor veio falar comigo em português, dizendo que morou no Brasil por alguns anos e, depois, uma senhora e sua filha vieram falar comigo em português também. Elas são missionárias.

Essa senhora e sua filha se tornaram minhas amigas de congresso. Enquanto não estava trabalhando eu assistia às programações com elas.

Elas já foram também pra Moçambique e são fundadoras (ou ajudam bastante, nem me lembro bem) de um orfanato em Goiás que cuida de cerca de 25 crianças.


Voluntários

Já faziam alguns anos desde que eu trabalhava como voluntária em grandes eventos. Ah, como a saudade batia, foi fantástico poder fazer parte de um time como esse de novo.

Os meus líderes, Shane e Janie Rager, são pessoas absolutamente fantásticas! O carinho e o cuidado que eles tiveram comigo desde o dia em que cheguei (e fomos procurar minha barraca no escuro e chovendo, mesmo ela já tendo trabalhado mais de 12 horas naquele dia) até o momento da despedida, foram inenarráveis.

Também conheci o David, o Dan, o Douglas, o Charles e o Brighton, voluntários do estacionamento, com os quais dei muitas risadas. Foi debaixo de chuva que trabalhei com eles também, mas foi excepcionalmente divertido.

Não só nesse último grupo, mas em todo o grupo de voluntários e, na verdade, no festival inteiro, tinha gente de toda idade e jeito.

O Festival

O espírito do ganso selvagem é, obviamente, inspiração pro nome do festival. E é sempre algo maravilhoso pra mim quando vejo a diversidade da Igreja. No festival tinha gente tatuada e idosos de cabelos branquinhos. Tinham famílias com seus filhinhos de colo, e tinham gays e lésbicas. Tinham cadeirantes e tinham crianças correndo e brincando na lama. Tinha, enfim, todo tipo de gente que tem no mundo, numa pequena amostra de mil pessoas.

As palavras sobre justiça social, a fantástica entrevista com Brian McLaren que, entre outras coisas, disse: "se os pastores pregassem durante um mês sobre a abdicação das posses terrenas, como Jesus fazia, logo logo as igrejas iriam reduzir drasticamente em número de membros". E também disse, ao comentar sobre a reação dos cristãos ao seu filho gay: "na igreja católica o processo de excomungação é muito claro e estruturado. Na igreja evangélica é mais complicado. Muito antes desse episódio eu acredito que já tenha sido lentamente excomungado da igreja evangélica, então não tive tanta reação assim. O engraçado é que, na essência da fé cristã: "eu acredito em Jesus como senhor e salvador, e na palavra de Cristo como revelação de fé", eu acredito que sou mais "cristão" que muitos dos que me excluíram. Quantas igrejas você vê falando sobre o amor de Deus, sobre Jesus, hoje em dia?"

Houve também um representante dos direitos civis, um senhor negro que falou brilhantemente sobre a sociedade americana e a igreja emergente. Algumas frases que anotei:

"Os EUA precisam se desenvolver não mais como exemplo de democracia para o mundo, mas como desenvolvimento de fé."

"Qual a diferença entre a Igreja emergente e a sociedade americana? No que combinam e no que não? Se não combinam em nada, o que esta igreja está buscando?"

Houve também a palavra, na mesma "roda de discussão" do senhor acima, uma senhora, escritora, chamada Phyllis:

"Não apenas a mente, mas o seu corpo tem que acreditar/adorar a Jesus."

Por ser bem alternativo, tinham uns momentos zen também, como no momento de dança coletiva, onde as pessoas se reuniram e começaram a dançar, conforme o que a música os fazia sentir.

Nunca vou me esquecer no momento em que, em frente à tenda da cerveja, todos começaram a cantar "Amazing Grace".


Apesar do gigantesco post, acreditem, esse é só o resumo desses dias pra mim. Ah, esqueci de comentar dos livros, ganhei vários livros durante o festival, o que, com certeza, é um ponto super positivo, haha.

E eu voltei pra casa, assim como os velhinhos, as crianças, os bebês, as famílias, os gays, e todos os que estavam naquele festival. O que faremos daqui pra frente é o que vai contar, no final das contas, mas com certeza foram dias inesquecíveis.





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