quarta-feira, novembro 26, 2014

O diário de Lot - O imperdoável

"Sejam bondosos e demonstrem compaixão pelo próximo, perdoando-se mutuamente, assim como Ele perdoou vocês no Filho."


Eu não sabia o que fazer. Meu coração insistia que eu não deveria estar fazendo o que estava prestes a fazer. Minha mente gritava para eu parar enquanto fosse tempo.

Mas eu não consegui.

Eu simplesmente não consegui.

Yago tinha sido preso, acusado de estupro, ou, na verdade, pedofilia. A adolescente que foi sua última vítima engravidou, mas perdeu o bebê, assim como a própria vida, devido a uma grande hemorragia. Ela tinha apenas 12 anos. Ele, 36. E eu fui chamado para conversar com os pais da garota.

Durante esses anos eu me acostumei a ajudar pessoas em dificuldades diversas. Eu ficava feliz sempre que podia, de fato, ajudar. Por isso, não foi difícil conversar com Celso e Glória, pais da vítima de Yago.

Ok, foi difícil sim. Acredito que possa ficar cinquenta anos fazendo o que faço, e nunca se tornará uma tarefa fácil de ser feita.

O que dizer aos pais de uma menina que morreu por consequências de tamanha brutalidade? Eu nunca vou ter a resposta para esse tipo de pergunta.

L: Bom dia! Eu sinto muitíssimo pela perda de vocês.
C: Obrigado. Obrigado por conversar com a gente.
L: Imagina! É o mínimo que eu poderia fazer. Nesse momento, não há nada de fato que eu possa fazer que irá tirar essa dor de vocês, mas eu fiquei honrado com o convite.
G: Ela sempre admirou muito você, sabe, Lot. Sempre foi uma menina muito boa, muito gentil.
C: Ela ficaria feliz em saber que você está aqui, conversando com a gente.
L: Eu tenho certeza de que ela era uma menina preciosa...
G:...e é por isso que nós queremos que você converse com o moço que fez isso.
L: ... ... ... ... ... ... Oi?
C: Esse rapaz tirou o nosso bem mais precioso, mas ele também merece perdão, certo?

Eles olhavam para mim buscando a confirmação da pergunta. Eu fiquei sem palavras. Yago estava sendo preso pela terceira vez, pelo mesmo tipo de crime. Três adolescentes. Nunca demonstrou o menor arrependimento. Se sair hoje da prisão ele com certeza o fará de novo.

Pensei por dias antes de dar a resposta, mas meio que querendo ajudar esses pais "órfãos", aceitei ir à prisão para conversar com o indivíduo.

L: Olá Yago, meu nome é Lot e eu estou aqui para conversar com você, a pedido dos pais de sua última vítima.
Y: Bela introdução! Se está aqui obrigado pode ir embora, amigo. Aquela menina era muito linda para eu deixar passar. Se ela engravidou, bem, foi acidente de percurso.. Se morreu foi culpa da criança maldita, não minha.

Eu realmente não sabia se deveria continuar ali. Como tratar como humano uma criatura dessas?

L: Yago, eu não precisava ter vindo. Eu estou aqui porque quis.
Y: Ótimo, e o que veio fazer então? Falar um monte de baboseira e esperar que eu mude? Esse sou eu, eu gosto de menininhas. Eu gosto quando elas tentam fugir, quando gritam por ajuda. Aquelas mãozinhas pequenas, corpinho mudando de criança para adulta. Eu não vou mudar. Esse sou eu.

...

L: Alguém te falou que você não poderia mudar?
Y: Não, eu sei que sou assim. Quer dizer...eu não sei. Tanto faz! Pra que você quer saber disso?
L: Eu acredito que o que você fez é muito errado. Praticamente desumano, nojento. E eu menti. Eu não estou aqui porque eu quero. Quero dizer, sim, eu aceitei o convite, isso foi escolha minha. Mas na minha mente e coração acredito que não deveria estar fazendo isso...
Y: ...Então fique à vontade para ir embora, amigo. Eu não preciso de nada, só de umas menininhas.
L: Continuando, independente do que EU acho, vivo por uma mensagem que é ilógica e, hoje mais do que nunca, injusta.
Y: Que raio de mensagem você está falando, amigo?
L: Eu acredito que você merece condenação eterna, mesmo depois de morrer...
Y: É, você e todos...
L:...mas eu acredito também que eu também mereço. Eu acredito que os pais dessa moça mereçam. Até ela própria. O mundo inteiro...
Y: É, sua mensagem é muito estranha mesmo.
L:...mas eu também acredito, não porque estou apenas convencido intelectualmente que sim, ou que me sinta emocionalmente bem assim, mas acredito que há um Autor, o que criou essa Mensagem, que é capaz de zerar nossas fichas, de todos, independentes se somos bons ou não.
Y: Amigo, você bebeu antes de vir para cá?
L: Não. Veja só, Yago. Eu não faço ideia da sua história. O que sei é do seu presente. E, como ser humano, acho que você é um monstro covarde. Pela minha lógica e meu senso falho de justiça, você merece morrer, agora mesmo. Mas a mensagem, ilógica, como disse, me mostra que eu também merecia isso. Só que o Autor, mesmo sem merecermos nada, nos quer ao lado dele. Não só isso, ele quer nos adotar como filhos. Esquecer tudo o que fizemos. Seja mentir, ou estuprar uma garotinha inocente.
Y: Maravilha! Posso sair amanhã então? Quem sabe eu não ache umas meninas para me satisfazer?
L: Se você chegar a compreender um dia a mensagem, e o tamanho desse favor, você nunca mais será o mesmo.
Y: Então vou deixar para depois, amigo.

O tempo de visita acabou. Eu saí de lá com a certeza de ter feito o certo, mas me sentindo um fracasso. Celso e Glória choraram de alegria quando eu contei que tinha ido lá conversar com Yago. Disseram que a filhinha poderia descansar em paz.

Poderia eu, porém, descansar em paz? Nos noticiários, protestos em frente à prisão, ameaças a Yago, discussões na internet sobre a pena de morte. Notícias, também, de que ele havia sido espancado e abusado na cadeia.

Ele estava recebendo o que merecia. Estava? Às vezes, a mensagem torna as coisas complicadas demais.

Dois dias depois, recebi uma ligação. Yago queria me ver. Eu, cético, acreditava que ele me falaria qualquer coisa para escapar das torturas. Mas fui assim mesmo.

L: Oi Yago, você pediu que eu viesse aqui.
Y: Sim, não consegui parar de pensar no que me disse. É verdade que eu posso ser perdoado?
L: Achei que você tinha deixado essa decisão para depois.
Y: Deixa para lá, pode ir embora.
L: Eu ouvi o que fizeram com você.
Y: Já aconteceu antes, eu não me importo.

Respirei fundo.

L: Você pode. Mas isso significa que você irá mudar.
Y: Eu não posso! Esse sou eu, já falei! Sempre fui, só tinha medo do que aconteceria se eu fizesse essas coisas antes. Hoje não tenho mais. Se eu sair vou fazer tudo de novo.

...

Y: Você não disse que eu não precisava ser bom?
L: Se alguém te desse um presente, você cuspiria nessa pessoa?
Y: Não.
L: Se você continuar fazendo o que até você mesmo sabe que é errado, é a mesma coisa.

Ele começou a chorar. Cada vez que eu me sentia inclinado à compaixão, porém, eu me lembrava dos crimes dele.

Y: Eu entendo. Eu sou um monstro, como você disse. Eu não tenho perdão.

Poderia ser tudo encenação. Eu pensava que era. A voz dele carregava uma culpa, porém, fácil de detectar. Eu me lembrei que a premissa básica da mensagem é que o Autor não trabalha com meritocracia. Eu gosto da meritocracia. Todos nós gostamos, não? Mas a mensagem não diz isso. A mensagem simplesmente significa que não há nada de ruim que um ser humano possa fazer que faça o Autor nos amar menos. E nem nada de bom que possa fazê-lo nos amar mais.

Eu falei isso com o Yago. Conversamos com o Autor. Eu o abracei, meio sem querer, sem sentir. Condenação era tudo o que ele conhecia, inclusive por mim, mas naquele momento fiz diferente. E, acredite em mim, não foi porque eu sou um cara sensacional. Mas era a única coisa que eu podia fazer.

Yago cumpriu a pena integralmente. Mesmo com a possibilidade de regime semi-aberto, depois de um tempo, devido ao bom comportamente, ele optou por cumpri-la até o fim. Fez um acordo para receber tratamento psicológico e psiquiátrico ao invés disso.

Ele escreveu um livro, durante o tempo preso, onde me citou. Ele vendeu bastante e não manteve nada do dinheiro para si. Doou tudo para as vítimas e suas famílias. As duas meninas sobreviventes foram para a faculdade com esse dinheiro.

Yago também solicitou que ficasse com a tornozeleira de monitoramento da polícia. Toda vez que ele chegasse perto de locais com possíveis vítimas um policial era alertado e acompanhava seus movimentos. Ele também solicitou, e conseguiu, que fosse obrigado a fornecer feedbacks positivos todos os meses, para a polícia.

A história do Yago sempre me vem à mente quando tento imaginar a lógica da mensagem, e continuo convencido de que ela não existe. Ao menos não na lógica humana. O incômodo que eu sinto, toda vez que penso nele, apenas me lembra que eu sou falho no meu senso de justiça. E, como tal, nunca devo basear nesses parâmetros para fazer julgamentos.

terça-feira, novembro 11, 2014

Faça amor, não faça jogo - uma resenha (talvez)


Eu entrei num grupo de escritores sobre literatura. Aconteceu como acontecem as coisas na minha vida, assim, sem querer. Daí recebi a oferta de resenhar o livro do Ique, aceitei na hora.

O Ique não me conhece, de comum, só a cidade linda de nascimento. Eu fui à sessão de autógrafos do lançamento do livro dele. Era aniversário do meu pai e eu fui ao shopping para almoçar com ele e minha mãe (meu irmão estava fazendo prova do ENEM). Quando disse no Facebook que era aniversário do meu pai e eu iria levá-lo ao shopping o Ique curtiu o comentário.

Eu curti o almoço, daí cheguei atrasada para o bate-papo. Entrei na fila, comprei o livro. Quando voltei, um mundo de gente assistia o que o Ique tinha a dizer. Inclusive dois casais. Os dois moços ficaram atrás das namoradas, e protegiam o mundo delas. Mas eles tinham uns dez metros de altura cada e eu não chego a 1,70, e não gosto de salto. Na ponta dos pés, com meu All Star azul, eu tentava ver o Ique, e o pai dele. Quando vi o senhor Juarez eu fiquei muito feliz. Fiquei o resto do tempo escutando o que o Ique dizia, mesmo enxergando só as costas dos moços de dez metros de altura.

Daí, os autógrafos. Eu deixei meu pai andar na FNAC, porque nós dois somos apaixonados por livrarias. Vez ou outra ele voltava com alguma coisa legal para me mostrar. Atrás de mim uma menininha era entretida por um moço com nariz de palhaço, que a deixou desenhar numa caderneta. Chegando próximo à minha vez chamei papai, porque o queria na foto comigo e o Ique. Ele fazia graça do Ique abraçando as meninas e que não via nenhum moço tirando foto com ele. Eu mostrei, ele ainda assim meio que fugia, mas ficava na fila comigo para eu ficar feliz.

O Ique autografou o livro, e ele é muito legal, então escreveu um tanto, não só uma assinatura. Papai gostou da atitude. Daí a foto. Meu celular, com 1% de bateria, deu conta de duas fotos e morreu. Papai só apareceu na segunda, de olhos fechados.

Daí hoje li o livro, reli alguns textos do blog. Não ouvi as músicas - o livro vem com QR codes para você poder ouvir lendo os textos, igual ao blog, achei fantástica a ideia -, porque meu celular estava carregando (eu tenho que trocar de bateria). E antes de comentar sobre o livro (como se esses seis parágrafos não fossem o suficiente para uma super introdução), eu tenho que dizer que, provavelmente eu não sou a típica leitora do Ique. Claro que acho lindas as coisas que ele diz sobre o amor e acredito nelas, até porque tenho meu próprio "Ique". O nome dele é Giovanni e ele me fez acreditar de novo no amor. "Elas só querem alguém para sorrir junto", dizia o livro. E o Gi me faz sorrir junto com ele. Ele, que adora repetir frases de livros ou filmes sem nunca ter os lido, já dizia pra mim que a melhor parte não era ter me encontrado, mas viver ao meu lado todos os dias. Nós dois somos bobos sonhadores, e os textos do Ique me fazem identificar com ele, não sonhar com alguém que me diga o que ele diz.

Três coisas, porém, acontecem quando leio os textos do Ique: uma, eu volto à adolescência e leio essas histórias para a Dani de 14, 15 anos de idade, que não acreditava que alguém fosse gostar de menina que não gosta de salto, não é magra, usa óculos, ama futebol e Star Wars, além de ter a foto colada ao lado da definição de desastrada, no dicionário. Alguém que até tentou ser como as outras meninas, mas, é claro, não conseguiu - ainda bem! Eu leio para ela: "Você é de um. Ele, qualquer um."

A segunda coisa é que eu lembro do meu avô, e do meu pai. Meu avô morreu de câncer, e era como se fosse meu segundo pai. Quando leio os textos em que o Ique cita o pai dele ou têm versos escritos por ele mesmo, eu me derreto. Eu não choro, não por querer provar nada, mas porque nunca fui de chorar. Na época em que tentava ser igual às meninas que todos os meninos gostavam até tentei, mas não dava certo, era patético, até. Mas meu vô é uma saudade constante, e eu choro quando leio sobre o pai do Ique.

Ano passado estava nos Estados Unidos. O meu pai ficou doente. Era câncer. Ele fez a cirurgia, retirou o tumor todo. Um pouco antes de eu voltar, pneumonia. Minha mãe também ficou doente, infecção urinária e pedras nos rins. Duas amigas minhas perderam mães assim. Eu fico com medo cada vez que ela é internada. Mas daí eu lia o Ique: "Se você soubesse que hoje é seu último dia de vida, você passaria ele chorando?", e sorria.

A terceira coisa é que me vejo, como escritora, no que ele faz. De negar proposta de editora grande para fazer as coisas com amor (não que eu tenha recebido proposta alguma, na verdade). E a timidez, típica de escritores, na verdade. Deve ser por isso que só falei meu nome para o Ique assinar, e nada mais. Ah, claro, agradeci pela foto e o autógrafo.

Eu prometo, Ique, que não vou te contar o final do livro. Até porque odeio spoilers. Mas eu só agradeço pelos poemas lindos que escreve, que enche o coração de todos de esperança. E agradeço ao seu pai também, por ser quem ele é, um romântico "à moda antiga".

Em resumo, o livro é quase o blog escrito. Mas é livro, com cheirinho de livro e novidades tecnológicas. É a cara do escritor e com certeza vai agradar quem acompanha o blog, e fazer quem nunca leu o blog ficar com vontade de acompanhar. Eu, como leitora do blog e amante de livros, amei.


ps: Eu sofro de um problema, "pego sotaque" muito fácil. E isso acontece quando escrevo também. Acabei de ler "Faça amor, não faça jogo" e talvez devesse ter esperado para escrever. Mas se acharem que fiz o texto tentando escrever como o Ique, acreditem, não foi intencional.

Veja mais em

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