segunda-feira, janeiro 25, 2010

O diário de Lot - o grito dos desesperados (Parte II)


"O justo odeia a palavra de mentira, mas o ímpio faz vergonha e se confunde."

Resolvido com a instituição que seria uma oportunidade de ouro a ida de André, acertamos as passagens e nos preparávamos para ir para o país que foi assolado pelo terremoto. Admito que estava muito inseguro. Estava perdendo um grande emprego e meu chefe, ou melhor, antigo chefe, disse que estava cometendo um grave erro, mas que sabia que isso iria acontecer uma hora. Por outro lado, meus antigos colegas me deram apoio e ficaram louvando minha atitude. Eu sempre deixava claro que eu não podia fazer isso sozinho. O Autor movia isso dentro de mim. E isso não era nem um pouco de demagogia, eu sabia que realmente não era capaz de fazer o que estava prestes a fazer. Por mais que possa parecer o contrário por esses relatos, eu tenho muitas falhas, muitos erros. Sou longe de ser alguém bom, quanto mais alguém perfeito. A minha sorte é que o Autor é perfeito por mim, ele é muito mais que bom por mim.

Apesar disso tudo, fui muito contente contar a notícia para André de que tínhamos conseguido acertar a viagem.

L: Ei André!!
A: Pela empolgação só posso presumir que você conseguiu...
L: Isso mesmo! Animado?
A: Não é exatamente animador ir para um país todo destruído e cheio de pessoas sofrendo. Motivado, por outro lado, estou bastante.
L: Que bom! Partimos sexta-feira.
A: Ok, tenho três dias para me arrumar.
L: Dá, não dá?
A: Dá sim.
L: Então te vejo na sexta, tenho que acertar uns detalhes burocráticos ainda até lá.
A: Ok, até sexta então.
L: Até.

Os detalhes burocráticos que eu tinha que arrumar na verdade eram interiores. Eu ainda não estava no país que iria viajar, mas conseguia ouvir um grito. Um não, milhares de grito. Milhares de gritos juntos que soavam como um só grito ensurdecedor. Não era pesadelo, não podia ouvir de verdade, no sentido fisiológico da palavra, mas ouvia dentro de mim, nunca vou saber explicar exatamente o que eu sentia. O fato é que apesar de tudo eu ainda estava muito inseguro e cansado. As pessoas que se diziam seguidoras da mensagem cada vez mais se apegavam à ideia de que ser seguidor da mensagem significa não ter nenhuma dificuldade na vida. Se eles analisassem bem, o próprio Filho então não devia seguir a mensagem, afinal, Ele foi sacrificado da forma mais cruel possível em sua época e sociedade.

Obviamente, não deixava nada disso claro para André. Apesar de ser um grande amigo, minhas incertezas e inseguranças só fariam mal para ele. Ele iria dizer que confirmara a sua tese de que a mensagem não era verdadeira. Isso eu pensava antes de viajar, é claro.

Na sexta-feira, com tudo pronto, embarcamos no avião. No caminho André se mostrava com um brilho no olhar que eu nunca tinha visto antes nele. Resolvi iniciar um diálogo com ele.

L: Expectativa?
A: O que?
L: Esse seu olhar, é expectativa para o que irá acontecer lá?
A: Acho que sim, na verdade, nunca fiz algo de tão grande na minha vida. Sempre te admirei por isso. Talvez eu nem seja capaz disso. Isso é, você tem certeza de tudo, a minha vida é cheia de dúvidas.

Naquele momento vi que esconder dele minha insegurança causara o efeito contrário do que eu pretendia.

L: Certeza, na verdade, só tenho que vou morar com o Autor um dia.
A: O que você quer dizer?
L: Não sou nenhum herói André, sou apenas um ser humano. Também tenho medo e dúvidas.
A: Eu sei disso, eu lembro que você tinha medo naquela época da perseguição idiota contra você, mas mesmo assim você tinha certeza, não estou sabendo me expressar.
L: Eu não tinha naquela época e não tenho agora, mas sei que vai dar certo.
A: Porque?
L: Eu só sei.

Chegamos ao nosso destino e distribuimos cestas básicas, roupas, auxílio. André sabia um pouco de francês e conseguiu se comunicar mais do que eu. Ele gostava de me contar as histórias de superação daquela gente. Gostava de ver que estava sendo útil. Vivia me dizendo que iria levar esperança calado, porque só quem podia fazê-lo com palavras era a equipe dos seguidores da mensagem. Passamos duas semanas no país quando percebi que os gritos de desespero que ouvia eram como as mensagens de esperança de André. Eram gritos silenciosos. Gritos que ninguém podia ouvir, só ver. Ao me contar a história de uma criança que tinha perdido os pais e os irmãos no terremoto André disse que não entendia como o Autor podia deixar isso acontecer, mas de alguma forma alguém cuidava daquele menino. Mesmo em meio a tanto sofrimento e dor conseguimos levar algo que nenhuma comida ou roupa poderia levar - conforto. Dedicamos muito tempo a ouvir as pessoas, e André foi nosso tradutor pessoal.

No final da viagem conseguimos firmar um pacto com uma instituição local de assistência aos sobreviventes e nos comprometemos a continuar mandando ajuda. A alegria no rosto de cada criança, homem e idosos, mesmo sem saber se iriam um dia ter uma casa para morar de novo ou uma família para ser apoiado, nos dava esperança de dias melhores. Fomos para levar consolo e, no fim, nós é que acabamos por ser consolados.

Quando voltamos ao Brasil André disse logo de cara:

A: Tudo que aconteceu lá foi incrível. Nunca vou me esquecer dessa experiência. Quero continuar fazendo o bem, mas, como você mesmo já disse certa vez, isso não significa entrada para a casa do Autor. Ainda não consigo acreditar na mensagem, me desculpe.

Claro que aquilo me deixou profundamente chateado. Mas o fato de ver que André se abria mais para fazer coisas comigo me deixava com esperança. Acho que foi o grito silencioso dos desesperados que implantou isso em mim.

No fim os mensageiros impostores sumiram da mídia. A verdade prevaleceu. A compaixão humana, ainda que falha, foi mostrada mais que a pretensão de justiça de alguns.

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