segunda-feira, julho 11, 2011

O diário de Lot - O homossexual

"Portanto, você, que julga, os outros é indesculpável; pois está condenando a si mesmo naquilo em que julga, visto que você, que julga, pratica as mesmas coisas."

Estava me dirigindo ao local de reunião daqueles que acreditam no Autor, quando um rapaz me parou. Ele tinha uma feição tão triste que era impossível não notar que ele não estava bem. O líder de jovens havia me convidado para dar uma palavra na reunião, por isso não podia me atrasar. O rapaz insistiu que precisava conversar comigo por alguns instantes. O nome dele era Timóteo.

T: Desculpe, eu sei que você está atrasado. Todos estão. Mas é que eu preciso de alguém que me escute, nem que seja por um segundo.
L: Já que é por um segundo então tudo bem (eu sorri, e ele acompanhou o sorriso, embora tenha sido um sorriso amarelo).
T: Eu só preciso conversar com alguém, e acho que já ouvi falar de você...você é o Lot, certo?
L: (eu ainda não tinha me acostumado com pessoas estranhas me reconhecendo, mas eu respondi) Sou eu mesmo. Em que posso ajudar amigo?
T: Bem, pensando melhor, não quero te atrapalhar. Posso ir com você onde está indo, e depois a gente conversa?
L: Claro! - e seria mesmo uma excelente ideia, já que eu poderia, quem sabe, ajudá-lo por aquilo que iria falar na reunião.
T: Ótimo. Onde você está indo?
L: Para uma reunião de jovens, logo ali na frente.
T: Bem...nesse caso acho melhor esperar aqui fora, caso não se importe.

Eu já estava acostumado com algumas coisas, então disse que poderia ser muito bom que ele entrasse, que poderia ajudá-lo. Ele ainda ficou hesitante e preferiu não entrar, prometendo que me esperaria lá fora, quando terminasse.

Ao terminar a reunião Timóteo estava lá, no mesmo lugar, e então fomos conversando no caminho.

T: Desculpa eu não ter entrado, pude ouvir que foi você quem falou, mas eu não poderia entrar ali, não me sinto bem nesses lugares.
L: Tudo bem, mas então fale, em que posso te ajudar?
T: Então...eu...como posso dizer...minha mãe segue esse Autor aí que você tanto fala. Eu fui criado em lugares desses. Meus pais são divorciados e quando adolescente resolvi que isso não era pra mim, então fui morar com meu pai. E lá pude admitir...assumir...eu sou gay. Meu pai é um excelente pai, e minha mãe também sempre foi excelente mãe, não tive nenhum trauma, como se ouve falar por aí. Eu sei lá, só acho que nasci assim. O problema, na verdade, não é esse. Hesitei muito pra falar porque você é seguidor desse Autor, então achei que não me receberia bem, mas ouvi dizer também que você tem algo de diferente dos demais. O fato é que, eu não quero deixar de ser gay, estou feliz assim. Mas tem me incomodado que por causa disso meus pais, que se divorciaram há muitos anos, começaram a brigar. Eles se divorciaram porque viram que se casar só porque eu tinha nascido não foi uma boa escolha. Terminaram amigos, e hoje estão em pé de guerra. Por isso me sinto culpado, imensamente culpado, de tudo que acontece com eles.
L: Calma, muita informação para processar ao mesmo tempo. Ok, deixa eu ver se eu entendi. Você é gay, não ligava pra isso até que isso afetou uma relação amistosa que seus pais tinham, certo? Mas me explique uma coisa. Você disse que foi pra casa do seu pai enquanto adolescente, e que lá mesmo se assumiu. Então porque isso está te incomodando só agora?
T: Eu não estou me relacionando com ninguém, mas meu pai e eu ficamos felizes de que a união homossexual estável foi aprovada, e eu fiquei chateado porque minha mãe disse que aquele projeto de lei é contra tudo que é certo. E ela nem sabe do que se trata o projeto. E eu comentei com meu pai. E aí começou a briga.

Eu tinha que pensar muito sobre como me posicionar sobre o assunto, por isso fiquei calado por alguns instantes. Afinal, eu conhecia o projeto de lei e era contra ele também, não pelo motivo pelo qual a maioria dos seguidores do Caminho eram, mas porque feria o direito constitucional que eu tenho de me expressar. E eu não era conivente com o homossexualismo, como muita gente andava me acusando desde que falei sobre esse assunto uma vez numa reunião, mas, apesar de saber que eles estavam errados, eram simplesmente pessoas que estavam fora do caminho, como tantas outras, como os mentirosos, os invejosos, os cobiçadores...ao mesmo tempo, me incomodava o fato de que estava se formando uma "ditadura homossexual", onde o errado na sociedade parecia ser o heterossexual. E ainda me incomodava a hipocrisia de ambas as partes. Dos que não seguiam o Caminho, e falavam que estava tudo bem (até que isso atingisse a família deles) e dos seguidores do Caminho, que queriam apedrejar os homossexuais como a pior raça de pessoas que pudesse existir. Era um discurso desiquilibrado dos dois lados. E como expressar o amor que o Autor me ensinara àquele rapaz? Foi por isso que mantive silêncio durante algum tempo.

L: Desculpe a demora, estava refletindo sobre algumas coisas. Eu vou dizer algumas coisas, e você vai me prometer ouvir até o fim, ok?
T: Ok.
L: Eu não vou dizer que eu acho o que você está fazendo com sua vida algo correto. Também não vou dizer que você não merece conhecer o Autor por causa disso. O Autor, ao contrário do que tenham pintado para você a respeito dele, é Amor. Entende isso? Ele é o amor, Ele não tem amor, Ele é o amor. E ele também é justo. E por ser justo todos os nossos erros cheiram mal para Ele, cheiram como carniça. Carniça acumulada há dias. Todos os nossos erros, seja meu erro de às vezes mentir, seja seu erro de se relacionar com alguém com o qual não foi feito para se relacionar, são desagradáveis a ele. Eu sei que não é por isso que você veio me procurar, mas é minha obrigação dizer. Então, como esses erros são nojentos para Ele, não podemos nos aproximar dEle. Mas Ele é amor, como eu havia falado. E, por ser o amor, Ele quer que estejamos com Ele. Como Ele resolveu esse dilema? Ele se tornou homem como nós e morreu em nosso lugar. Nós merecíamos a morte, mas Ele pagou o preço por todos nós. E, por isso, e apenas por isso, não porque somos bonzinhos ou fazemos coisas boas, podemos ter acesso a Ele. E quando o conhecemos ainda erramos, mas não como prática de vida, mas como acidentes de percurso. Talvez a indignação de sua mãe seja por isso, talvez seja porque ela levou tudo como ofensa pessoal. Não tem como eu dizer, porque não a conheço. Talvez tenha sido um desabafo de mágoa. Esse projeto de lei tem um problema, caro amigo Timóteo. Ele fere o direito de liberdade de expressão, que está garantido na constituição. Ele não ser aprovado não significa que você perdeu seus direitos, mas que todos nós deixamos de perder esse direito de livre expressão. Se esse projeto fosse aprovado o simples fato de eu ter falado tudo isso para você poderia me levar à prisão. E eu posso discordar de você, sem te ofender, concorda?
T: Sim, mas...
L: Calma, hehe, eu sei que é muita coisa, mas aguarde eu terminar. Eu entendo porque você não quis entrar comigo naquela reunião. Os seguidores do Caminho têm se preocupado mais em julgar do que em receber com o amor com o qual fomos recebidos. Eu reconheço essa falha. E eu não me importo com o que você fez até agora, estou pronto para me tornar seu amigo. Mesmo que você decida não mudar. Eu prefiro que você mude porque sei que será melhor para você, que você siga o curso biológico natural a você, como homem. Mas mesmo que decida não fazer isso posso ser seu amigo. E mais, você pode ir lá, se alguém te julgar, eu mesmo me encarrego de chamar a atenção dessa pessoa. Mas eu sinceramente não tenho como intervir em sua família. Aja com amor, tanto em relação ao seu pai como em relação à sua mãe. Já que mora com seu pai, tente conversar com ele, para ele relevar. Tente mostrar para sua mãe que você a ama.
T: Eu não sei bem o que dizer Lot. Eu realmente não esperava ouvir nada disso. Vi você resolvendo tantos problemas (ou melhor, ouvi falar dos problemas que você resolveu), que eu simplesmente esperava que você fosse lá e resolvesse tudo. Eu conheço o Caminho. Eu sei que não estou totalmente certo. Mas eu sou assim, não posso mudar quem eu sou. E se isso não é bom o suficiente pra Ele, que Ele não me fizesse assim.
L: Você sabia que há estudos comprovando que muitas pessoas têm tendência a serem violentas? É natural delas. Na mente delas passam crueldades que nós jamais poderíamos imaginar. Mas porque não há tantos psicopatas por aí? Porque essas pessoas conseguem suprimir esse desejo pelo mal. Algumas não conseguem por si próprias, mas encontram forças no Autor. Desde que o ser humano errou pela primeira vez ele tende a continuar errando. Somos maus por natureza. Cada um com seu tipo de maldade. Mas cabe a nós entregar essa  natureza errante para Ele, para que Ele viva em nós, e então, por não vivermos mais nós mesmos, mas Ele, tenhamos uma vida que O agrada.
T: O que você está me dizendo é que é só eu dizer que aceito assim, como se fosse um presente, tudo que Ele fez por mim, e então eu vou mudar de vida, porque Ele próprio vai mudar? Por que então Ele mesmo não me muda de uma vez?
L: Ele não é intrometido. Se nós não aceitarmos o convite, Ele não entra em nossas vidas. Mas uma vez aceito o convite, nós somos impelidos a viver em eterna gratidão a Ele, por isso tentamos agradá-lo o tempo todo.
T: Lot, vou ser sincero. Até agora nunca ouvi nada de ninguém de...me perdoe pelo termo...ninguém de sua laia, porque sempre foram muito agressivos comigo. Eu, como gay, concordo que até mesmo os protestos têm sido exagerados. Mas foi uma manifestação que estava presa há muito tempo e, já que a sociedade agora nos aceita melhor, resolvemos expressar. Apenas queremos que essas pessoas entendam que somos seres humanos como elas, não pessoas do mal. Pessoas que querem destruir a família delas. Eu não sei se posso mudar de vida. Eu sou assim, eu nasci assim, mas pela primeira vez alguém me mostrou que essa Mensagem pode ser bonita e receptiva, e não acusatória.
L: Eu admito, com muito pesar Timóteo, que eu sei que é verdade. Mas eu não tenho medo de dizer que te amo, só porque podem me chamar de gay. Eu te amo porque eu sei que o Autor te ama, e sei que essas pessoas acabam demonstrando que Ele te odeia, mas não é verdade. Ele odeia nossos erros, de todos nós, não só os seus. E por Ele te amar tanto, Ele quer que você entregue sua vida nas mãos dEle, porque ninguém mais pode saber cuidar melhor que Ele da sua vida, já que foi Ele quem te criou.
T: Eu acho que talvez eu consiga apaziguar tudo em casa de uma outra forma. Eu acho que posso tentar aceitar esse amor dEle. Mas eu tenho medo de entrar num lugar desses Lot. Eu me sinto a pior pessoa do mundo em meio a um bando de santos perfeitos.
L: Eu não posso expressar o tanto que estou feliz com essa sua decisão. Como eu disse, muitas pessoas não sabem lidar com os pecadores, porque elas mesmas se esqueceram de onde foram tiradas. E acham que somente seguir no Caminho, sem levar ninguém com elas, é o suficiente. Não posso julgar, mas acho até que muitas dessas pessoas nem sabem o que é o Caminho.

Passaram-se algumas horas e alguns quilômetros desde que Timóteo e eu começamos a conversar. Ele chegou em casa e conversou com seu pai sobre tudo que tinha acontecido. O pai dele ficou muito feliz, ele disse, e resolveu que valia à pena ver que Caminho era esse. Foram juntos à reunião onde sua mãe ia, e ela chorou de alegria. Eles (mãe e filho) começaram um trabalho para levar o amor a pessoas como ele.

Alguns anos se passaram sem que eu tivesse notícia de Timóteo, até que um dia recebi em casa um convite de casamento. E era um casamento duplo. Os pais de Timóteo se casaram novamente e no mesmo dia ele se casaria com uma moça que tinha conhecido nesse lugar. Na carta em anexo ele me contou que ainda lutava com seus desejos homossexuais eventualmente, mas que amava aquela moça como jamais imaginou amar alguém. E não via a hora de ser pai, algo que ele poderia ser legitimamente agora.

É claro que a situação não mudou, e os "santos" continuavam julgando os "impuros". Mas o trabalho que a mãe de Timóteo, ele, e agora a sua esposa e seu pai, desenvolviam, mudou a vida de muitos jovens como ele. São apenas pingos no oceano, mas o que seria do oceano se não houvesse cada um daqueles pingos, não é mesmo?

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