O relato desses dias é o mais preciso que minha memória permite fazer. Pela primeira vez estou fazendo algo que não faço nem mesmo escrevendo - expondo meus pensamentos durante diálogos (não que seja algo absolutamente fantástico e que vá mudar o destino da humanidade, mas gostaria de deixar isso registrado assim mesmo).
12 de dezembro, quinta-feira, 00h do horário local.
Desci do avião e me dirigi ao terminal. Dentre as diversas plaquinhas com nomes estava um casal que não precisava delas para que eu pudesse encontrá-los. Esperando com um grande sorriso lá estavam Philip e Janet Yancey. Tudo estava de fato acontecendo.
No carro, eles me mostraram algumas coisas da cidade, mas estava tarde. No dia seguinte eu veria tudo melhor.
- Eu não sei se você comeu, mas o voo foi muito longo, tem uma sacola com lanchinhos para você e uma garrafa de água ao seu lado - disse a doce Janet.
Em algum momento da viagem me perguntaram se eu tomava café e eu disse que não.
- Como assim, você é brasileira e não toma café?
- É, eu ouço isso bastante.
Chegamos à casa deles - uma estonteante visão, até mesmo de noite.
- Vamos te tratar como membro da família, entrando pela garagem já que tranquei a porta da frente - ela disse.
Bom, o fato de estar na casa deles já era algo tão fantástico que eu podia dormir no sofá e seriam inesquecíveis dias de qualquer forma, mas não, eu tinha um andar inteiro só pra mim.
Uma amostra da biblioteca, com livros do Philip traduzidos em diferentes línguas. E lá estavam meus velhos companheiros, os livros em Português.
O meu quarto era uma suíte, com closet abastecido de roupas quentinhas, e também no quarto tinha tv, água e mais lanchinhos. A porta de entrada era exatamente como aquelas de filmes de princesa, com duas portas e tudo. O coração ainda batia forte, mas eu precisava dormir, no dia seguinte a aventura começava de vez.
Sexta-feira 13 de dezembro.
Acordei, me preparei para o dia e desci. Era ele lá, tomando um café no sofá da sala.
- Bom dia, Dani! (eles me chamam de Dani mesmo, não "Deni", como a maioria dos americanos)
Então eu estou na casa do Philip Yancey, o autor dos meus livros preferidos. Ok, calma, olha essa vista! Eu escreveria um livro inteiro só pra falar dessa vista!
- Você aceita um chá? Chocolate quente?
- Você tem suco?
- Claro, frutas vermelhas ou maçã?
- Maçã, obrigada.
Sim, o Philip Yancey está me servindo suco!
A Janet veio em seguida e também me desejou bom dia. Ele foi se arrumar e ela me viu olhando umas fotos e me contou sobre suas irmãs.
- Vamos tomar café hoje em um dos nossos restaurantes favoritos, tradicional aqui do Colorado.
O Philip estava lá embaixo em seu escritório.
Eu quero ver o escritório!
- Ei, Philip, você está aí embaixo?
- Estou.
- A Dani pode ir aí e você mostra seu escritório?
- Claro!
Chegando lá ele me mostrou e disse que era lá onde ele trabalhava.
Logo na entrada, à esquerda, tinha uma mesa com o que eu acredito ser um dicionário gigante com letras minúsculas e uma lupa atrelada à mesa. No meio diversas fileiras de estantes, com os mais de cinco mil livros que inspiraram o meu escritor preferido. As paredes eram decoradas com quadros. Gente famosa que ele entrevistou, paisagens lindas. No fundo uma mesa com computador, canetas, alguns livros.
Ele começou falando de uma foto na parede que tinha a foto dele com o presidente Clinton - foi uma entrevista que ele fez para a Christianity Today na época.
- E essas são minhas estantes, meus livros.
- Eu amo livros!
- É, eu sei.
Em outra parede tinha uma foto com cenários lindos de montanhas cobertas de neve.
- A gente costumava viver aqui, vê esse pontinho? É a nossa casa. Essas fotos foram todas tiradas de lá mesmo.
- Muito lindo!
- É.
- Aqui outra entrevista com um presidente, qual o seu presidente americano favorito?
Eu deveria pensar numa resposta bacana, mas só consigo lembrar de Theodore Roosevelt por causa de Uma Noite no Museu ou do Obama por causa das leis de imigração...mas ele não é exatamente popular para os americanos.
- Eu...não sei.
- Hehe, ok, foi uma pergunta difícil. Bom, é aqui onde eu trabalho, Dani, gostou?
- É incrível!
- Vamos esperar a Janet lá em cima?
- Aham.
Sentamos no sofá em frente à lareira apagada, em silêncio.
Eu mal mal falei hoje, eu realmente deveria falar alguma coisa. Estou na casa do Philip Yancey, sentada ao lado do Philip Yancey e não estou falando nada. Pensa, pensa, pensa!
- Então, Dani, como anda a escrita do seu livro?
Ok, o silêncio talvez não fosse tão ruim assim. Como falo que estou escrevendo um livro sobre graça para a pessoa que mais me inspirou a escrever sobre esse assunto? Acho que estou ficando roxa.
- Eu...estou finalmente escrevendo um livro sobre graça, já estou na metade desde que cheguei aqui.
- É mesmo?
[Janet chegou quando eu estava falando sobre isso]
- Aham.
- Parabéns! Você digita tudo no computador, né?
- Na verdade, eu gosto do papel. Escrevo primeiro pra depois digitar.
- Philip, conta pra ela como foi sua transição do papel pro computador - disse a Janet.
- Então, isso começou há muitooos anos, e eu estava com medo de que poderia afetar meu processo de escrita.Sabe, no papel você acaba vendo o que corrigiu, no computador uma vez que você apaga não tem mais como ver o que era com a mesma facilidade. Daí fiz um teste, comecei a escrever um capítulo à mão e outro no computador para comparar. Não notei nenhuma diferença, então comecei a digitar apenas. Mas então, você tem isso que escreveu postado no Facebook ou em algum site, em que eu possa ver?
!!!!!!!!!!!!
- Não, só uns arquivos no meu computador.
- Ah, ok.
Saímos para o café da manhã, eles iam me falando da paisagem e eu ainda em silêncio. Eu realmente estava tentando puxar assunto, mas tudo que eles falavam me deixavam impressionada pela generosidade deles e a natureza era fantástica, de emudecer até mesmo a mais extrovertida das pessoas.
- Esse lago aqui é onde venho às vezes quando quero um momento mais às sós para escrever.
- É fácil entender o porquê, lugar muito lindo!
- Não é?
Chegando ao restaurante, fui apresentada como uma amiga do Brasil, e o Philip descreveu as seções do cardápio para mim.
- Ele adora purê de batata.
- Eu admito, é verdade.
Eu agora sei até comida preferida dele.
Na oração antes de começarmos a comer ele agradeceu a Deus pela minha vinda e pelo meu vôo.
Conversamos um pouco sobre minha vida aqui nos EUA desde que cheguei, meu inglês, dentre outras coisas. Eu tentava responder com mais palavras e fazer perguntas, mas eu ainda estava chocada por estar tomando café da manhã com eles - o autor e a personagem de tantos dos meus livros preferidos.
A panqueca que pedi dava para alimentar umas cinco pessoas. Meu estômago não estava muito bom, talvez pela altitude, então não comi nem um terço.
- Posso provar?
haha, Philip Yancey filando do meu prato!
O garçom me perguntou mais tarde se eu queria uma caixa. Eu sabia que não comeria depois, então disse que não.
- Já que você não vai levar pra casa, vou pegar mais um pedaço, está muito boa essa panqueca!
Tinha um bebezinho no mesmo restaurante. Na hora de ir embora os dois foram conversar com a mãe e com ele.
- Quando você crescer vai ter um cabelo engraçado igual ao meu - disse o Philip.
De lá fomos de carro a uma montanha muito alta, quase quatro mil metros de altura. Vista absolutamente incrível - pela segunda vez no dia a natureza tirava o foco dos meus pensamentos da euforia de estar com os Yanceys. Bom, isso até a Janet sugerir que a gente tirasse uma foto em frente a placa do local. Aquela pessoa que tinha escalado todas aquelas montanhas do Colorado era a mesma que estava comigo na foto.
Depois disso fomos para um lugar onde poderíamos ver pistas de esqui. Pegamos uma gôndola e fomos montanha acima. Chegando lá, pista lotada, um grande evento de snowboarding - o Dew Tour, estava acontecendo nesse dia. Ficamos observando as apresentações por um tempo e depois descemos de novo para andar pela cidade.
A primeira parada foi na Starbucks. Chocolate quente com creme para mim, um café grande que eles dividiram.
- Estava mostrando para Dani aquelas fotos com minhas irmãs, Philip. Nós somos um bando de gente velha!
- É...
- Não costumava ser assim.
- Bem, fazer o quê? Acontece.
Andamos pela cidade, fomos em uma loja de natal onde a Janet procurou por cavalinhos de balanço para enfeite de árvore, porque a irmã dela fazia coleção e não tinha encontrado nenhum até hoje para esse ano. Eles não tinham. Eu não sei se ela conhecia a vendedora, mas conversou com ela como se fossem amigas de anos.
Encontramos com o Philip num outlet, onde ele estava experimentando um par de jeans.
- Não ficou bom, talvez se eu tivesse uns vinte anos.
Fomos então numa outra loja de roupas, cujo dono era amigo deles. Eles doavam boa parte dos lucros para um projeto missionário que coordenavam. E ela me mostrou também uma marca de sapatos que doava um par a cada par comprado para crianças em necessidade.
Logo na entrada da loja um paletó vermelho com bolinhas brancas chamou a atenção de todos.
- Quer que eu compre um desses pra você, Philip?
- Não, obrigado.
Ela e a vendedora discutiram como o casaco seria até legal se o corte fosse feminino.
Voltamos para o carro, onde a Janet começou a fazer algumas ligações para as irmãs. Ela havia comentado no dia anterior que celulares não funcionavam bem na casa deles, e que não era boa com mensagens.
- Eu acho que você devia mandar uma mensagem.
- Eu não sou boa com mensagens.
Eu fui sentada no banco da frente assim como durante o dia todo eu tinha feito. Janet tinha sugerido isso para eu poder ter uma visão melhor das paisagens. Estávamos conversando no banco da frente, quando ela disse:
- Desculpa gente, já estou quase acabando com as ligações e não vou mais incomodar vocês.
- Isso não aconteceria se você mandasse mensagens.
Eu não me contive e ri bastante.
- Ele não vai deixar essa passar batida, né Dani?
Antes de chegar em casa paramos em um supermercado para comprar sorvete para a torta de noz-pecã que a Janet havia feito de sobremesa para janta.
Em casa, Janet foi terminar de cozinhar a janta. Eu ofereci ajuda, mas ela me mandou descansar, a noite anterior tinha sido longa. Philip também foi tirar uma soneca.
Depois de um tempo, ela me chamou e fomos jantar. Dessa vez ela orou e novamente agradeceu por eu estar ali. Durante a refeição, conversamos sobre minha família. Ao término da janta, mostrei fotos deles no meu celular. De sobremesa tínhamos a torta com sorvete. Nos sentamos no sofá - Philip e eu, enquanto a Janet checava algo em seu Ipad - e continuamos conversando.
- E está sendo bom porque eu tenho tempo para escrever agora e ninguém pra me mandar sair do meu quarto. E eu posso escrever à noite sem deixar ninguém preocupado.
- Você escreve melhor à noite? Eu escrevo melhor pela manhã
Eu sei a hora que ele gosta de escrever!
- É, eu prefiro à noite.
Ele disse que queria me mostrar algo no Facebook. A Janet se juntou a nós. O perfil pessoal dele tinha sido bloqueado, entretanto. Depois que conseguimos desbloquear o ajudei com algumas coisas.
- Olha só, você, parabéns! ...
- Hehe, de nada.
- ...por ser jovem.
- hehehe, ok.
Ele leu comigo uma mensagem que uma menina do Brasil o enviou, nós discutimos a situação da igreja brasileira por um tempo.
Estava ficando tarde e ele agradeceu por ter ensinado as coisas do Facebook e por ter mostrado as fotos da minha família, e me desejou boa noite. Janet fez o mesmo.
Era meio impossível ir dormir depois de tudo isso. Tomei um banho - de banheira, com bolhinhas de sabão, para relembrar Friends, que não tem nada a ver com o assunto, mas quis falar assim mesmo - , liguei o computador que não tinha funcionado o dia inteiro (Philip me emprestou o adaptador de tomada que eu havia esquecido em casa e eu descobri que a bateria do notebook era o problema), transferi as fotos da câmera para o pc e de lá a foto do alto da montanha alta para o celular. Postei a foto no Instagram e no fim estava cansada mesmo e resolvi tentar ir dormir.
Foi um dia fantástico, mas era ainda só o primeiro.