sábado, agosto 31, 2013

Peixinho dourado


Meus meninos aqui nos EUA ganharam uns peixinhos dourados. Eu me lembrei da minha infância.

Eu não podia ter bichinhos de estimação, meu pai não gostava e não me deixava ter. Só peixe. Peixinhos dourados normalmente morrem rápido, mas eu tive um que viveu um ano. Daí ele morreu. Fui pra escola chorando e quando me perguntaram o que foi falei que meu peixe tinha morrido. Eu me lembro claramente de todos rindo de mim, porque era só um peixinho dourado.

O ser humano é assim, faz escalas de sofrimento desde criança. Perder um cachorro e ficar triste, pode, perder um peixinho não. E daí que o peixinho era com quem você conversava todas as noites? E daí que você era filha única e seus únicos amigos da rua tinham se mudado? Era só um peixe, pelo amor de Deus!

A situação toda pode ter te feito sentir pena, mas na verdade a gente continua agindo assim quando cresce. A gente julga o sofrimento por escalas, sem considerar nenhum outro fator. Só é digno o sofrimento de quem perdeu alguém pro câncer, ou perdeu a casa num incêndio. A menina e o menino que choram por não terem um namorado estão fazendo tempestade em copo d'água, não sabem esperar em Deus. E daí que a pessoa sonha em formar família e vê esse sonho morrendo cada dia que passa? E daí que todo mundo te julga por estar solteiro "até hoje"? É só um desejo bobo de beijar na boca, pelo amor de Deus!

Eu não vou nem falar de outros "sofrimentos pequenos", porque quero mesmo enfocar a questão do namoro aqui, do relacionamento. Acho que a maneira que a igreja tem tratado esse assunto de maneira muito errada e, justamente por considerar ser algo de menor escala acaba fazendo muito jovem sofrer - e muito, por isso.

A partir do momento que encaramos que alguém que é cristão quer um namorado(a) não apenas por desejos físicos, mas porque anseia mesmo com o dia em que vai ter uma família de sua, poderemos corrigir a visão.

Eu vejo muito - "você é amada por Deus" e muito "menino, não transe antes de casar", mas poucas instruções práticas sobre o que é um relacionamento de verdade. Porque o que não falta é gente se casando irresponsavelmente só para poder ter a "aprovação de Deus" para transar.

Não vou chegar a dizer que o enfoque no sexo é tão errado assim. Acho que falar sobre isso num mundo onde tudo é sexo é totalmente válido, mas a vida de casado não se resume a isso. O relacionamento entre homem e mulher não se resume a isso. E a abordagem da maneira como é feita é também perigosa. Sexo antes do casamento é pecado, e depois também não pode fazer isso, isso e aquilo.

Eu não sou casada para poder falar, mas poxa, para mim sexo envolve muito mais que isso. Tratar o sexo de uma maneira tão mecânica como a igreja muitas vezes trata contraria até a própria natureza do ato.

Bom, voltando ao assunto do "sofrimento banal", é preciso e muito válido sim, querer que a pessoa pare de sofrer. Mas assim como as frases automáticas de "pelo menos agora ele descansou", para quem perde alguém pro câncer, fazem a pessoa até se sentir mal pela saudade, o "Deus vai te dar alguém na hora certa, é só você esperar" também fazem o solteiro se sentir menos digno ao invés de ajudar.

Meu apelo, enfim, é que nos lembremos, mais uma vez da graça e deixemos os julgamentos, preconceitos e frases feitas de lado. Um pai não quer saber se o filho quebrou o braço ou se arranhou de leve, quando o vê chorando tudo que quer é fazer a dor passar. Deus nos escolheu como transmissores da sua graça - que não estejamos fazendo essa imagem chegar distorcida ao nosso próximo.




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