Eu não podia ter bichinhos de estimação, meu pai não gostava e não me deixava ter. Só peixe. Peixinhos dourados normalmente morrem rápido, mas eu tive um que viveu um ano. Daí ele morreu. Fui pra escola chorando e quando me perguntaram o que foi falei que meu peixe tinha morrido. Eu me lembro claramente de todos rindo de mim, porque era só um peixinho dourado.
O ser humano é assim, faz escalas de sofrimento desde criança. Perder um cachorro e ficar triste, pode, perder um peixinho não. E daí que o peixinho era com quem você conversava todas as noites? E daí que você era filha única e seus únicos amigos da rua tinham se mudado? Era só um peixe, pelo amor de Deus!
A situação toda pode ter te feito sentir pena, mas na verdade a gente continua agindo assim quando cresce. A gente julga o sofrimento por escalas, sem considerar nenhum outro fator. Só é digno o sofrimento de quem perdeu alguém pro câncer, ou perdeu a casa num incêndio. A menina e o menino que choram por não terem um namorado estão fazendo tempestade em copo d'água, não sabem esperar em Deus. E daí que a pessoa sonha em formar família e vê esse sonho morrendo cada dia que passa? E daí que todo mundo te julga por estar solteiro "até hoje"? É só um desejo bobo de beijar na boca, pelo amor de Deus!
Eu não vou nem falar de outros "sofrimentos pequenos", porque quero mesmo enfocar a questão do namoro aqui, do relacionamento. Acho que a maneira que a igreja tem tratado esse assunto de maneira muito errada e, justamente por considerar ser algo de menor escala acaba fazendo muito jovem sofrer - e muito, por isso.
A partir do momento que encaramos que alguém que é cristão quer um namorado(a) não apenas por desejos físicos, mas porque anseia mesmo com o dia em que vai ter uma família de sua, poderemos corrigir a visão.
Eu vejo muito - "você é amada por Deus" e muito "menino, não transe antes de casar", mas poucas instruções práticas sobre o que é um relacionamento de verdade. Porque o que não falta é gente se casando irresponsavelmente só para poder ter a "aprovação de Deus" para transar.
Não vou chegar a dizer que o enfoque no sexo é tão errado assim. Acho que falar sobre isso num mundo onde tudo é sexo é totalmente válido, mas a vida de casado não se resume a isso. O relacionamento entre homem e mulher não se resume a isso. E a abordagem da maneira como é feita é também perigosa. Sexo antes do casamento é pecado, e depois também não pode fazer isso, isso e aquilo.
Eu não sou casada para poder falar, mas poxa, para mim sexo envolve muito mais que isso. Tratar o sexo de uma maneira tão mecânica como a igreja muitas vezes trata contraria até a própria natureza do ato.
Bom, voltando ao assunto do "sofrimento banal", é preciso e muito válido sim, querer que a pessoa pare de sofrer. Mas assim como as frases automáticas de "pelo menos agora ele descansou", para quem perde alguém pro câncer, fazem a pessoa até se sentir mal pela saudade, o "Deus vai te dar alguém na hora certa, é só você esperar" também fazem o solteiro se sentir menos digno ao invés de ajudar.
Meu apelo, enfim, é que nos lembremos, mais uma vez da graça e deixemos os julgamentos, preconceitos e frases feitas de lado. Um pai não quer saber se o filho quebrou o braço ou se arranhou de leve, quando o vê chorando tudo que quer é fazer a dor passar. Deus nos escolheu como transmissores da sua graça - que não estejamos fazendo essa imagem chegar distorcida ao nosso próximo.
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