Aos 11 anos de idade estava em um Encontrão de Gente Miúda, uma espécie de mini congresso cristão infantil que acontecia na minha igreja da época, Batista da Floresta. O tema era oração ou algo do tipo, nem me lembro bem. Mas me lembro de um sorteio que estava acontecendo. Eu estava aprendendo ainda o que era a fé, oração e tudo mais. Um dos itens do sorteio era uma bicicleta e eu não tinha uma bicicleta, porque era muito cara. Eu me lembro de pensar: "se eu orar sem parar, quem sabe Deus não me ouve e eu ganhe a bicicleta". E foi assim que aconteceu, orei, literalmente, sem parar. Mesmo sendo só no pensamento, fiquei sem fôlego algumas vezes, mas continuei até o sorteio. E eu fui sorteada. Foi o primeiro e um dos poucos sorteios que ganhei na vida.
Claro que a fé e a oração não funcionam sempre desse jeito, e eu viria a aprender isso. Mas eu serei sempre agradecida por Deus ter ouvido aquela minha oração de criança.
Um pouco mais tarde, aos 13 anos de idade, li meu primeiro livro de mais de 200 páginas, "Maravilhosa Graça". Naquele momento minha vida mudou completamente. Ficaria ainda alguns anos até voltar a ler Philip Yancey de novo, na faculdade, mas nunca vou me esquecer daquele momento.
Como os leitores antigos e amigos próximos sabem, eu me correspondo por e-mail com o autor há alguns anos. Na tentativa ainda não concluída de escrever um livro, e em toda minha caminhada cristã nesses últimos anos, ele tem sido meu mentor e conselheiro.
Um dos meus maiores objetivos ao vir para os Estados Unidos era conhecê-lo. Procurei onde ele estaria publicamente, já que viajar pro Colorado do nada e bater na porta da casa dele não me parecia ser uma boa opção. Foi quando descobri o Wild Goose, que, como vocês viram pelo post de ontem, foi muito além do Philip.
Depois dessa longa, mas necessária, introdução, vou contar então como foi o encontro.
A primeira pregação dele seria na sexta às 11h30. Como voluntária, não estava escalada para a manhã, então acordei, tomei meu café e sentei com minha toalha no lugar mais próximo do palco para esperar por ele e assistir o resto da programação.
Teve uma discussão sobre igreja emergente - fantástica - e, depois, uma discussão sobre racismo e igualdade social. Durante essa discussão houve um exercício em grupo. Tínhamos que contar uma situação onde nos sentimos incluídos em um grupo social qualquer, e outra em que nos sentimos excluídos. Era minha vez de falar quando eu o vi chegar.
"Oh my God! Esse é o Philip Yancey! Ele está aqui mesmo! É ele! OMG!"
Enquanto me perdi no que estava falando ele se dirigiu à barraca onde os preletores se preparavam pra palestra. Eu me distanciei do meu grupo e voltei pro meu lugar de origem, aguardando a palavra do Philip começar. Foi quando conheci mãe e filha missionárias do post anterior. Ela me convidou a apoiar as costas na perna dela, caso precisasse (ela tinha uma dessas cadeiras portáteis), e colocou uma sombrinha em cima de mim porque o sol estava muito quente.
A introdução do Philip resume bem a diversidade que eu comentei ontem, sobre o festival: "Eu não sei exatamente porque me chamaram pra falar aqui. Eu como carne, não tenho tatuagens (nenhuma que eu vá contar a vocês, pelo menos), sou casado - com uma mulher. Mas fico muito honrado por ter sido convidado!"
Ele pregou nesse dia basicamente sobre seu testemunho de vida, sobre como foi crescer numa igreja fundamentalista no sul dos Estados Unidos. Para quem já leu quase todos os livros dele, meu caso, não tinha nenhuma grande novidade, mas só de ouví-lo falar ao vivo já tinha sido fantástico.
Ao terminar, ele abriu então para perguntas do público. Nesse momento eu percebi que toda minha preparação, sobre o que diria a ele, ao longo dos anos, tinha simplesmente desaparecido. Eu queria falar, mas não sabia o que perguntar. Um rapaz o perguntou sobre o fim da história de seu irmão mais velho e eu lembrei que isso não estava em nenhum livro, mas o próprio Philip havia me contado quando fiz a mesma pergunta por e-mail.
A saber, ao contrário de Philip, seu irmão Richard, seguiu odiando os cristãos e a igreja quando cresceu. Ao dizer que queria estudar na Wheaton College, uma renomada instituição americana (fundada por Billy Graham, inclusive), a igreja o condenou e disseram que iriam orar pra que ele sofresse um acidente e morresse, ou, ainda pior, ficasse paralítico. Bom, o acidente não aconteceu, mas há alguns anos Richard sofreu um derrame e hoje só consegue falar com a ajuda de aparelhos, pois só move os olhos. Alguns dos antigos membros da igreja dizem ser resposta de oração de Deus. É muito triste saber que ainda existe gente assim na igreja. Não aprenderam com Jó e não sei se um dia vão entender o que é a graça e a justiça de Deus.
Quando ele terminou de pregar eu estava determinada a ir conversar com ele, mas ao mesmo tempo aterrorizada. Quem me conhece sabe o quanto eu sou tímida. Mas daí a senhorinha missionária foi conversar com ele e eu tomei coragem e fui com ela. Segue o diálogo:
- Ei Philip, não sei se você se lembra, mas eu sou Dani, escrevo e-mails pra você há algum tempo...
(arregalou os olhos) - Dani! Claro que lembro! Me dá um abraço! Janet, essa aqui é Dani, do Brasil, que veio aqui me ver! Como você veio parar aqui?
- Eu vim de ônibus.
- Sério? Quantas horas de viagem?
- Aham, 14 horas de viagem até Charlotte.
- E de lá pra cá?
- Dividi um carro alugado e com mais umas 4h estava aqui.
- Que legal! Puxa, que legal! A família que você está agora é boa?
- Sim, eles são maravilhosos!
- Estou orgulhoso de você! A gente se vê pelo acampamento então!
- Ok =)
Daí a Janet veio falar comigo:
- Como você descobriu que ele estaria aqui?
- Eu pesquisei onde poderia vê-lo, descobri o festival, achei super legal a ideia e resolvi vir.
- Essas crianças de hoje em dia, descobrem tudo pela internet! (comentando com a assistente do Philip, que estava do lado). E como foi a recepção americana pra você, te trataram bem?
- Bom, a primeira família não foi muito boa, mas agora estou numa ótima família!
- É, eu sei. Mas que bom que está tudo certo agora! Como foi sua viagem?
- Boa, cansativa, mas boa!
- E você está aproveitando o festival?
- Sim, não posso ver tudo, porque estou trabalhando como voluntária. Mas é bem legal poder trabalhar também.
- E ainda está trabalhando como voluntária?!? Você tem uma daquelas blusas verdes?
- Sim, não uso o tempo todo porque bem, tenho que usá-la por quatro dias.
- É, você não quer que ela fique toda suja. Nós viajamos um tempo de carro também. Chegamos 1h30 da manhã e eles nos colocaram num bed and breakfast - você sabe o que é isso? (sei) - pois é, foram super gentis, a gente chegou tão tarde, mas eles levantaram e foram nos atender mesmo assim. Bom, o Philip tem uma agenda a seguir, você sabe, mas com certeza a gente se fala depois por aqui. Amanhã às 16h tem a sessão de autógrafos, não se esqueça de passar por lá.
- Ok =)
Saí de lá tremendo e fui me preparar pra almoçar e começar meu turno de trabalho do dia, que era às 13h. Nesse meio tempo descobri um trailler onde ele estava quando estava no congresso. E fui trabalhar. Não que eu o estivesse seguindo, mas parte do meu trabalho como voluntária era andar pelo acampamento e ver se tinha alguém precisando de ajuda. Esqueci de contar ontem sobre o Ken, mas ele foi meu companheiro de trabalho. Ele é casado e têm três filhos, além de uns 10 intercambistas que recebe por ano em sua casa. Sua filha mais velha está na faculdade, o do meio acabou de ser aceito numa faculdade local e o mais novo acabou de entrar no ensino médio. Motivo pelo qual ele vai parar de receber intercambistas por um tempo, pra poder se dedicar aos estudos desse filho. Bom, mas estávamos andando e conversando, e eu cruzei pelo caminho com o Philip umas 10 vezes. Não tive coragem de ir conversar de novo e pedir uma foto, mas ainda não acreditava que o estava vendo toda vez que isso acontecia.
Fui dormir muito feliz e, no dia seguinte, trabalhei algumas horas de manhã - porque cheguei muito tarde na quinta, e estava escalada, então quis pagar minhas horas. 12h30 era a segunda pregação do Philip. Quando larguei o "serviço" para ir sentar no meu lugar vi o Philip conversando com um rapaz e uma moça. Como era cedo, resolvi esperar e ver se conseguia minha foto com ele. Fiquei atrás de uma árvore observando tudo, torcendo pra que ele não me visse e achasse que eu o estava perseguindo. A conversa com o rapaz, entretanto, demorou demais e já não ia dar tempo, então resolvi ir sentar. Nessa hora Janet apareceu e eu, muito feliz por vê-la, fui conversar com ela. Ela perguntou se eu estava com sede, falei que minha garrafa de água estava cheia. Perguntou se eu estava com fome, e eu disse que não. Ela me deu uma barrinha de cereal e disse: "não quero te ver com fome!". E me convidou pra sentar com ela.
Na mesa ela me apresentou aos seus amigos:
- Essa é Annie, nossa amiga do Brasil (eu corrigi da primeira vez, mas, como ela não ouviu ou não entendeu, meu nome passou a ser Annie pra ela, rs).
Philip pregou sobre oração nesse dia, baseado em seu livro sobre o tema. Estar sentada ao lado da Janet durante a pregação foi uma experiência fascinante. Eu a vi vibrar quando ele contou sobre suas escaladas às montanhas. E a vi quase chorar e ficar alguns segundos encarando o céu, quando ele contou sobre o acidente que quase o tirou a vida. No fim, eu peguei o celular e estava tomando coragem pra pedir uma foto com ela, quando ela disse:
- Você quer uma foto com o Philip, né?
- É, e com você também, se possível.
- Claro, será uma honra! Vamos lá, que o Philip tem uma peça pra assistir agora, então temos que correr pra tirar sua foto.
Fomos ao encontro do Philip que, ao me ver, sorriu e disse:
- Dani! Que bom te ver! Alguém da sua família ou amigos vêm te visitar esse ano?
- Acho pouco provável, as passagens são muito caras.
- É, eu sei. Você é muito corajosa! Quanto tempo vai ficar aqui ainda?
- Até março ou abril do ano que vem, provavelmente.
- Que legal! Eu espero que agora realmente esteja melhor que no início.
- Sim, está maravilhoso agora!
- Que bom!
Janet interrompeu, dizendo que eu queria uma foto com eles.
- Opa, claro!
Daí eu agradeci e ela disse que eles precisavam ir pra peça.
- Mas, você sabe de uma coisa, pesquise um vôo pra Denver - ou trem, interrompeu a assistente - é, ou trem, e você será nossa convidada de honra por uns dias lá em casa. Será um prazer te receber.
- Ok (eu realmente perdi as palavras todas nesse momento), eu vou, boa peça. Obrigada!
- A gente se vê por aí mais tarde - disse o Philip
- Ok.
- Você almoçou? - Janet de novo.
- Não, estou indo agora.
- Precisa de dinheiro?
- Não, eu tenho aqui.
- Bom, tome aqui algum assim mesmo. Considere presente de Deus. (o interessante é que, no caminho de ida, tinha perdido $40. Coloquei no bolso e deve ter caído no caminho e eu não percebi. Ela me deu $20).
Fui almoçar absolutamente extasiada, e depois fui assistir a entrevista com o Brian McLaren. Daí subi pra sessão de autógrafos. "É só seguir onde a lama está indo" - disse o Philip mais cedo, ao orientar o pessoal a chegar à tenda.
Cheguei lá e ele não estava ainda. Eu o vi chegar, mas resolvi esperar um pouco. Uma moça e um rapaz chegaram, daí fui.
- Dani! Que bom te ver! Eles estão esperando pelo Brian McLaren, então você é a primeira pra mim aqui =)
- Ok, hehe. - entreguei os três livros pra ele. O meu, comprado previamente, que molhou na chuva, infelizente. E os dois que comprei pros meus amigos.
- E-gleidson. Esse nome é brasileiro?
- Nem lembro. Acho que não.
- É, não me parece brasileiro. Patrícia, é com acento?
- Sim.
- Então, me conte de novo, 14h de ônibus mais 5h de carro, pra vir aqui?
- Aham
- Estou muito orgulhoso de você! E foi uma honra te conhecer pessoalmente! Seu turno começa daqui a pouco, a Janet me contou, né?
- É.
- Te vejo por aí então.
- Ok =)
Voltei a trabalhar e a Janie me disse que precisavam de gente no estacionamento. Daí, em meio à chuva que estava presente em todas as tardes/noites do acampamento, vi o Philip indo pro carro. Pensei comigo: "tchau!", mas não falei nada.
Fiquei surpresa quando o vi no domingo de manhã, assistindo Brian McLaren. Não assisti tudo porque estava trabalhando nesse dia. Daí me colocaram na portaria. Pensei: "seria legal se ele passasse por aqui e eu pudesse dar tchau". Alguns minutos depois lá estava ele. Ele me viu e veio se despedir.
- Dani! Te colocaram aqui hoje?
- É.
- Vai ficar aqui o tempo todo?
- Não sei. Vou até meio dia, mas talvez eles me mudem de lugar.
- Bacana! Bom, foi um prazer finalmente te conhecer pessoalmente. Quem sabe depois eu não vá te visitar no Brasil também?
- Isso ia ser muito legal!
- É, bom, boa viagem pra você, que Deus te abençoe.
- Amém, a vocês também.
Dessa vez não fiquei orando sem parar, mas com certeza me lembrei daquela oração aos 11 anos para ganhar a bicicleta. O fato é que nem em sonhos eu sonhava com tudo o que aconteceu nesse encontro com Philip e Janet Yancey. Eu me lembro de conversar com meu irmão, Egleidson, e dizer: "eu queria conhecer um dia o escritório dele. E a Janet, porque ela parece ser uma senhorinha muito legal!"
Lembro vividamente de cada coisa que aconteceu nesse festival, mas ainda me pego pensando: "Meu Deus, esse é o Philip Yancey ao meu lado nessa foto!", toda vez que olho pra essa foto que tirei com eles.
Deus cuida da gente. Em cada pequeno detalhe, ele cuida da gente.