segunda-feira, outubro 18, 2010

O diário de Lot - A apatia


"Eis que faço novas todas as coisas"

Antes de mais nada, gostaria de dizer: Estou vivo! Essa frase pode significar várias coisas para você ao longo desse desabafo, mas no momento só quero dizer que o meu sumiço não significa que morri.

Quando você passa por uma mudança radical de estilo de vida (no sentido de rotina mesmo), que foi o que aconteceu comigo desde que cruzei o caminho de Maria, tem-se a ilusão de que a vida será uma eterna aventura, sem nunca cairmos na rotina. Até que descobrimos que a própria aventura se torna uma rotina. Uma rotina mais agitada que as demais, com certeza, mas não menos rotina.

Pois bem, foi o que aconteceu comigo. Muitas outras histórias poderiam ser contadas aqui, com finais e lições diferentes para mim, mas o fato é que eu me acostumei com o que eu estava vivendo. Viver uma vida extraordinária estava se tornando cada vez mais ordinário, comum para mim.

Não que eu me orgulhe em dizer isso, mas o fato é que aconteceu. E em momento algum quis esconder as coisas que aconteceram comigo por aqui.

Alguns anos depois da formatura, com um emprego bacana em que podia continuar fazendo o que o Autor tinha me chamado para fazer, as coisas pareciam mais fáceis. Não para todo mundo de fora. Sempre tinha alguém que se encantava com as coisas que eu estava fazendo, com as vidas que continuavam sendo mudadas (engraçado isso, o Autor continua fazendo o que tem que fazer por meio de nós mesmo quando nós não estamos tão preparados e dedicados assim), mas para mim as coisas começaram a parecer normais. Eu não me esforçava tanto quanto no começo, e nem tinha mais medo de perseguição nenhuma, simplesmente fazia, com a maior naturalidade do mundo.

Mas ainda bem o Autor não nos deixa viver uma vida normal e apática por muito tempo. Se a ficha não cai naturalmente, ele bate no telefone até cair (essa frase me fez sentir muito velho porque sei que muita gente não vai entender, mas tudo bem).

Certo dia estava eu indo trabalhar quando encontrei um rapaz, o Matheus, em frente à banca onde costumo comprar o jornal. Ok, na verdade trombei nele e derramei o café que ele segurava. Coisas que são passíveis de acontecerem já que meu corpo levanta mais cedo que minha mente em dias úteis, mas enfim, o Matheus devia ter por volta de 18 anos e pelo visto tinha comprado o jornal para ver se seu nome estava na lista dos aprovados do último vestibular.

M: Ah cara, você está brincando comigo né? Venho aqui na droga da banca para comprar a porcaria do jornal e você derrama o café em mim, e no jornal?
L: Desculpa, de verdade, estava distraído. Vou te comprar outro café e outro jornal. Conhece aquele café ali da esquina?
M: Foi ali que comprei meu café.
L: Uma amiga minha trabalha ali, vou pedir um pano para ela para você se limpar.
M: Tá né, o que posso fazer.

Comprei o jornal que Matheus havia comprado e descobri que ele já tinha visto o que queria e, apesar do mau-humor matinal ter dito o contrário, ele havia passado na prova, e em uma excelente colocação. Chegamos ao café e me ofereci para trocar de camisa com ele, já que tinha manchado a dele, mas Matheus disse que estava indo para casa e que eu, claramente, estava indo trabalhar e precisaria da camisa limpa. Apesar de um pouco mais calmo, o mau-humor dele em uma situação como essa me deixou imensamente curioso.

L: Olha, eu sou provavelmente a última pessoa com a qual você quer conversar agora, já que estraguei seu dia, mas, desculpe-me a intromissão, porque você não está por aí saindo para comemorar sua aprovação?
M: Bem, sei lá, de repente parece que fiquei o ano todo estudando e abrindo mão de sair com os amigos e passar mais tempo com minha namorada, digo, ex-namorada, por nada.
L: Ela terminou com você por causa do tempo que você estava dedicando aos estudos?
M: Não, ela terminou porque disse que tudo estava muito monótono entre nós. Nós dois estávamos estudando para a prova. Ela também passou, pelo que fiquei sabendo. Mas na verdade nem é pelo término, que já tem três meses, que estou assim. É que isso que ela falou me afetou. Tipo...desculpa, mas e seu trabalho, não vai chegar atrasado?
L: Eu explico depois, não se preocupe, continue.
M: Ok, então, tipo, não era só no namoro que minha vida estava monótona, minha vida toda estava monótona. Sempre sonhei em entrar na faculdade e fazer esse curso e consegui de primeira, mas agora parece não fazer sentido nada disso. Tipo, só estudar a vida inteira para conseguir estudar mais para seguir um sonho que agora parece só mais um trabalho que vai me deixar na rotina de novo.
L: Você está certo de que é isso mesmo que quer fazer da vida?
M: Tenho, não tem outra coisa na vida que quero fazer mais. É difícil me expressar, mas parece que a vida é muita chata já que tudo se torna rotina um dia. O nosso grande sonho deixará de ser sonho e passará a ser cotidiano. E então teremos mais outro grande sonho e também se tornará rotina.

Iria dizer alguma coisa quando percebi que minha própria vida havia se transformado em uma rotina. Tudo, meu trabalho, a ajuda às pessoas, minha vida em casa, meus relacionamentos, tudo mesmo, uma grande rotina. Na minha mente tudo isso se passou tão rápido que Matheus nem reparou esse pequeno dilema que tive internamente. O Autor me lembrou que as coisas só não se transformam em rotina quando nós lembramos do propósito das coisas que fazemos. Há sempre novos desafios, novas conquistas, novos medos, mas Ele sempre está ao nosso lado para nos apoiar e nos dar força, nos fazer sair da rotina. Falei sobre isso com o Matheus, que logo procurou saber mais sobre o que eu estava falando e hoje vive no Caminho, junto com a antiga namorada, que ele soube reconquistar por sair da apatia.

E quanto a mim, bem, repito, estou vivo!

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