"Pois convinha que aquele, para quem são todas as coisas e por quem todas existem, conduzindo à glória muitos filhos, aperfeiçoasse pelos sofrimentos ao autor da salvação deles."
Depois do período de perseguição e do medo, passei por um período de intensa reflexão. Ao contrário do período do medo, não foi um período curto. Passei alguns meses refletindo seriamente sobre minha missão e sobre a mensagem sobre a qual tanto falava.
Continuei com as atividades na comunidade, tive algumas experiências bacanas com outras pessoas, mas ainda permanecia refletindo. Todos os que eu conhecia me diziam que estava consideravelmente mais calado que o habitual.
Fiquei pensando sobre porque de tantas pessoas que eu falei sobre a mensagem, aquelas com maior nível de instrução, com as quais falei logicamente sobre a mensagem, e aquelas que tinham maior poder, melhores condições financeiras, eram justamente aquelas pessoas que rejeitaram a mensagem. Porque uma prostituta aceitou tão prontamente a mensagem e um estudante universitário relutava em aceitar? Porque tantos líderes de comunidades que falavam sobre a mensagem eram contra mim? Estava eu fazendo alguma coisa errada? Não que eu achasse que as prostitutas, ou os mendigos, eram menos merecedores da libertação da mensagem que os outros, mas, pelo contrário, eu achava que por terem oportunidades iguais aqueles com melhores condições, seja físicas, materiais ou até mesmo morais, seriam os primeiros a aceitar a mensagem de bom grado.
Isso me intrigou durante muito tempo. Durante esses meses de reflexão o quadro se repetia, uma senhora de idade doente aceitou a mensagem, e um bem sucedido corretor de imóveis a rejeitou. Eu conhecia a mensagem, eu sabia que isso aconteceu com o autor da mensagem. Mas porque as grandes comunidades atraíam tantas pessoas em boas condições? Porque elas rejeitavam a minha mensagem e aceitava a deles? Não era a mesma mensagem? Não eram ambos, eu e os pregadores das grandes comunidades, apenas portadores da mensagem? Eu realmente deveria estar fazendo alguma coisa errada.
Um dia, um desses grandes líderes dessas grandes comunidades ouviu falar de mim, e de tudo o que eu tinha passado até então. Ele me convidou para falar à comunidade que ele liderava. Na conversa que tivemos ele me pareceu uma pessoa muito humilde e extremamente agradável. O trabalho que ele exercia lá era muito bacana, e, depois de mais reflexão, resolvi aceitar. Ele pediu que eu contasse o que eu já tinha feito, e, apesar de eu não gostar muito de fazer isso, acabei concordando com uma espécie de entrevista. Seu nome era Bruno.
Chegou o dia e eu estava lá, bastante apreensivo admito.
B: Boa noite a todos. Hoje estamos aqui com um convidado muito especial. Ele desenvolve um trabalho espetacular numa comunidade carente, e além disso já levou os mais diferentes tipos de pessoas a conhecer a mensagem. Passou por perseguição, mas hoje está aqui para nos contar um pouco de sua história. Lot, venha aqui!
Eu me senti bastante incomodado com a situação, em ser apresentado quase como um pop star, em ver tanta gente olhando para mim como se eu fosse o grande herói do mundo, mas subi.
B: Boa noite Lot!
L: Boa noite Bruno, boa noite a todos.
Boa noitee!! - Todos responderam
B: Lot, acredito que muito antes da perseguição que você sofreu, você já chamava uma certa atenção pelo tipo de trabalho que fazia. Você tem alguma preferência por falar da mensagem a algum tipo de pessoa?
L: Não, a mensagem é para todos os seres humanos do mundo. Se ela chegou até a mim e mudou minha vida acredito que pode mudar a vida de qualquer ser humano na Terra. Só que parece que alguns tipos de pessoas tendem a aceitá-la com mais facilidade.
B: Que tipo de pessoas?
L: Qualquer pessoa que tenha passado por algum grande problema na vida, ou cometido um grande erro, aparentemente indescupável para a sociedade, aceita melhor a mensagem do que aqueles que tem uma vida razoavelmente normal e sadia por assim dizer.
B: Porque você acha que isso acontece?
L: É uma coisa que venho me perguntando há alguns meses, desde que saí da prisão. Ainda não sei a resposta. O fato é que o próprio Autor da mensagem também enfrentou isso.
B: Então você acha que as pessoas, como você mesmo disse, que tem uma vida razoavelmente normal e sadia por assim dizer, nunca vão aceitar a mensagem?
L: Não, eu já tive experiências com pessoas bem sucedidas que aceitaram a mensagem. Mas isso acontece com uma frequência infinitamente menor que aqueles que realmente parecem precisar da mensagem. Talvez seja isso. Talvez as pessoas só queiram a mensagem quando precisam dela. Quando está tudo bem elas devem se achar auto-suficientes, e, portanto, não precisam da mensagem.
B: Então a mensagem é uma muleta que só serve para os fracos?
L: Não, ela não deveria ser isso, mas acaba sendo muitas vezes. O que vejo acontecendo com frequência é as pessoas usando a mensagem como muleta, mas depois acabam entendendo que mesmo que tudo esteja bem elas não são boas o suficiente para não precisarem dela. Elas não conhecem a mensagem sozinhas, mas de certa forma aprendem a amadurecer quando conhecem mais a mensagem. Acho que quanto mais as pessoas acham que estão perto de conhecer a verdade, e de serem independentes, mais elas se afastam da verdade mesmo.
B: Deixe-me ver se eu entendi. Aqueles que conhecem a mensagem conseguem ver que não são fortes o suficiente para andarem sozinhos, mas que não precisam de uma muleta, e sim de alguém para mostrar o caminho?
L: É, exatamente. Você captou bem o que eu disse. De nada adianta uma muleta se você não souber o caminho. Alguns podem achar que com a muleta estão na verdade ganhando uma bússola, mas com o tempo acabam por achar de verdade essa bússola e se livram das muletas. O problema com os fortes é que eles se acham tão independentes que, mesmo estando tão perdidos quanto os fracos, eles acham que podem achar o caminho sem a bússola ou alguém para guiá-los.
B: Ok, interessante nossa conversa. Vou mudar de assunto porque nosso tempo está acabando.
Bruno fez ainda algumas perguntas sobre o período de perseguição, e perguntou se eu alguma vez senti medo, ou vontade de desistir. Não tive medo de contar sobre a semana que conversei com Heitor. Mas no final das contas poucas pessoas vieram me procurar para falar comigo. Fiquei sabendo depois que muitos dos poderosos da comunidade falaram mal de mim, por acharem que eu falei mal especificamente deles. Foi numa conversa com o Bruno.
L: Como eu te disse, parece que os mais fracos ainda preferem a mensagem mais que os fortes.
B: É, você tem razão. É muito mais fácil oferecer uma bússola para quem tem certeza de que está perdido do que para aqueles que têm certeza de que estão no caminho certo, mesmo não estando.
L: É...Bruno, posso te fazer apenas uma pergunta?
B: Claro!
L: Porque apesar de negar a mensagem eles continuam frequentando essas grandes comunidades, como a sua? E porque eles não estão nas pequenas comunidades?
B: Olha rapaz, infelizmente eu tenho que admitir, aprendi muito com a entrevista que fiz com você, mais até do que já tinha aprendido com as cartas que você escreveu na prisão, do que com as coisas que eu sabia a seu respeito. Infelizmente temos falado de coisas que agradam aos ouvidos dessas pessoas, e é por isso que elas vem para cá. Existem exceções, ainda bem, mas muitas estão em busca de coisas para aumentar o ego delas. Eu pretendo mudar isso aqui. Ainda que muita gente talvez nos abandone, eu prefiro falar a mensagem que pode transformar vidas apesar de doer, do que fazer carinho com palavras doces que vão levá-las a um sofrimento eterno talvez. Muito obrigado Lot, muito obrigado mesmo.
L: Por nada Bruno, mas eu nem fiz nada, acabou que a sua entrevista resolveu uma confusão na minha cabeça que já estava me incomodando há alguns meses.
B: Você não precisa fazer nada Lot, você é um exemplo a ser seguido, mesmo com suas reflexões, até mesmo quando sentiu medo você deu um exemplo a ser seguido.
L: Sem falsa modéstia, eu realmente tenho muita coisa ainda a melhorar, e sei que não sou isso tudo que você e tantas pessoas acreditam que eu sou, mas muito obrigado. É bom saber que uma vida pôde ser mudada por um exemplo tão ruim quanto o meu. Me dá mais certeza que o exemplo do Autor da mensagem pode mudar centenas, milhares, milhões de vidas. Eu tenho que ir agora, muito obrigado novamente Bruno.
B: Obrigado você Lot, até mais.
L: Até.
Depois disso realmente consegui compreender que para que eu conhecesse a mensagem, o Autor teve que sofrer antes. E talvez as pessoas tenham que aprender com os próprios sofrimentos para entender o real valor da mensagem. Isso nunca me faria de desistir de levar a mensagem para todos e ter a esperança que todos a entendessem e a aceitassem, mas resolveu esse grande nó na minha cabeça.