segunda-feira, junho 22, 2009

O diário de Lot - O perseguido (Parte II)


"Mas alguns deles se endureceram e se recusaram a crer, e começaram a falar mal do Caminho".

Fomos liberados ao amanhecer, para aguardar o processo em liberdade. Devido a grande exposição da imprensa, agilizaram um pouco as coisas e marcaram a primeira sessão do julgamento o mais rápido que puderam.

Quando cheguei em casa minha mãe me abraçou e disse: filho, eu sei o que preciso saber viu? Acredite na verdadeira justiça e em breve você vai poder descansar em paz. Desandei a chorar mais uma vez. Ela me abraçou e acho que ficamos assim por pelo menos uma hora, talvez mais.

Saí para a faculdade, afinal, ainda que não tivesse forças, a vida tinha que continuar. Todos me olhavam. O trocador fez uma piadinha sobre o dinheiro da passagem. Quando me sentei, a senhora que estava ao lado se levantou e mudou de lugar. Cheguei na faculdade e lá estava um batalhão de repórteres. Disse que não tinha nada a declarar e prossegui meu caminho até minha sala. No caminho as pessoas me insultavam até que um chegou a me agredir. Desmaiei. Quando acordei estava na enfermaria, e André estava lá. Ele disse:

A: Escuta Lot. É provável que seja bem difícil daqui pra frente. Na sala alguns daqueles que dizem ser seguidores da mensagem estão zombando de você junto com os outros. Uns dois ou três acreditam na sua inocência. Os demais estudantes da sala tomaram um de três rumos: uns preferem não dizer nada, alguns estão ao seu lado, alguns acham que você é culpado. Só quero dizer uma coisa pra você. Eu sei que você é inocente. Você e o rapaz lá da comunidade.
L: Desculpa, estou meio zonzo. O que aconteceu?
A: Um cara te deu um soco. Não se preocupe. Eu iria chamar algum daqueles policiais ociosos lá fora e mandar prendê-lo, mas senti que você não iria gostar disso. Apenas disse que como acusado você deveria ter o direito de escolta policial. Eles já estão providenciando isso.
L: Porque?
A: Porque você foi agredido, ora!
L: Não André, porque você está me defendendo assim?
A: Eu já disse, eu sei que você é inocente. Além disso, você é meu amigo, acho que amigos devem fazer isso.
L: Muito obrigado.
A: Disponha sempre.

De volta a aula me acostumei com uma rotina de causar um certo tumulto, a ponto de um professor pedir que eu me retirasse da sala, mesmo eu estando calado o tempo inteiro.

Chegou o dia da primeira sessão e Vitor, Ian e eu nos apresentamos. De certa forma tinha me acostumado com a situação, mas ainda estava sem muita coragem para lutar. Nesse dia Ian já conseguiu algo positivo a nosso favor. Provou que as fotos e filmagens tinham sido editadas por Guilherme no computador. Não foi muito difícil fazer isso, porque a qualidade da edição tinha sido horrível. Ele também alegou injustiça por termos passado a noite do dia da acusação encarcerados. O promotor alegou que foi para a nossa segurança, já que havia ameaças de linchamento caso saíssemos de lá aquela noite. As outras acusações permaneciam de pé. Após um mês indo e voltando, fomos considerados culpados pelo desvio do dinheiro. Estávamos condenados a vários anos de prisão. Como havia um risco para nossa segurança, nos colocaram em uma cela separada, onde, segundo eles, só haviam seguidores da tal mensagem que nós dizíamos acreditar.

Ian foi bem firme ao dizer que iria recorrer da decisão. Enquanto eu só sabia de chorar, Vitor conversava com os colegas de cela sobre porque estavam ali. Alguns eram inegavelmente culpados, outros eram indubitavelmente inocentes. A justiça de certa forma não me parecia justa. Nem a verdadeira justiça a que minha mãe se referia. Estava desacreditado de tudo. Até que Rodrigo, o filho de um dos presos, Zilmar, foi o visitar. Ouvi os dois conversando.

R: Papai, quando você volta para casa?
Z: Assim que conseguirem provar a verdade meu filho.
R: Meus colegas dizem que você é ladrão.
Z: Você acha que eu sou?
R: Claro que não. Eu sei que você segue a mensagem, logo não pode ser ladrão. Eu sei que o Autor da mensagem vai te tirar daí em breve.
Z: Eu também sei meu filho.

Zilmar era coordenador de um centro de estudos da Mensagem dentro da cadeia. Vitor logo se associou a eles e me incentivou a participar. Não fosse essa conversa que ouvi de Zilmar e Rodrigo, o desânimo teria me feito ficar onde estava. Quando estava lá, senti a presença do Autor da mensagem como não sentia há muito tempo. Naquele dia vi como meu caráter estava sendo trabalhado. Mesmo sem perceber, estava me tornando orgulhoso por ter meu nome conhecido por meio do projeto. Não tinha deixado de fazer nada, não me achava mais importante que ninguém no mundo, mas uma certa vaidade começava a crescer dentro de mim.

Se me contassem, nunca iria acreditar que alguém no Brasil seria perseguido por seguir a mensagem. Mas eu vivia aquilo. Me juntei a Vitor e comecei a ficar feliz com isso. Toda vez que minha mãe vinha me visitar ela me dava uma incrível lição de amor incondicional. Ela sabia que eu era inocente, mas era óbvio que estava sofrendo. Ela é que estava em casa sendo acusada de ser mãe de um ladrão, de um bandido. Mas quando vinha me visitar estava sempre alegre, por saber que eu tinha recebido a honra de ser perseguido por causa do Autor da mensagem.

André também vinha me visitar às vezes, bem como alguns membros da comunidade. Logo, os horários de visitas tiveram que ser aumentados para visitar a mim e a Vitor. As pessoas vinham de diferentes lugares para nos visitar. Pessoas que nem conhecíamos. Muitas delas vieram por ouvirem algumas cartas que enviávamos para a comunidade e para os nossos amigos. O fato se tornou tão evidente que a imprensa resolveu registrar tudo. Já haviam se passado alguns meses que estávamos presos quando Ian veio com a notícia de que tinha conseguido de vez desbancar as acusações de Guilherme. A audiência foi marcada.

Quando chegamos, uma situação inusitada aconteceu. Ao invés dos insultos que nos acostumamos a ouvir nas últimas vezes, ouvíamos gente nos apoiando de todas as partes do país. O julgamento iria ser transmitido em rede nacional. Guilherme chegou perto de mim e disse:

G: Que olhar de coragem é esse garoto? Você sabe que vai amargar uns bons anos na prisão para aprender a não mexer com quem não deve.
L: A justiça verdadeira vai ser feita hoje nesse tribunal - disse eu, parafraseando minha mãe, que, aliás, estava assentada na primeira fila, com um olhar orgulhoso estampado na face.

Ian apresentou as provas. A conta bancária que estava em meu nome e que seria para onde o dinheiro tinha sido desviado era falsa. Na verdade a conta até existia, mas alguém usou meu nome para criá-la. Os registros telefônicos foram feitos de um número clonado, e o que seriam nossas vozes foram vozes de outras pessoas, modificadas por uma poderosa ferramenta tecnológica.

Guilherme até insistiu, o advogado de acusação tentou provar que éramos acusados, mas as provas eram incontestáveis. Saímos de lá com a sentença: inocentes. Quando o juiz declarou isso parecia que a seleção brasileira tinha ganhado uma final de copa do mundo contra a Argentina.

Quiseram fazer algumas reportagens conosco depois, e até pensamos em não fazer, para evitar parecer que estávamos nos orgulhando de tudo. Acabamos por fazer, para divulgar a mensagem.

Como havia passado várias meses preso, estava chateado porque iria perder aquele semestre na faculdade, apesar de que logo depois que fomos presos era período de férias. Fui ao colegiado do meu curso para ver como poderia resolver minha situação. O coordenador do colegiado disse que o reitor da faculdade queria falar comigo, e ele estava lá nesse dia. Mesmo sem entender nada, fui falar com ele.

L: O senhor queria falar comigo.
R: Sim, primeiramente, queria dizer que sinto orgulho por você ser estudante dessa instituição. Você não só era inocente, como mudou a vida de muita gente dentro da cadeia e fora dela.
L: Desculpa senhor, mas o mérito não é meu.
R: Sim sim, eu sei que vai falar aquela coisa da tal mensagem. Mas não importa, você é um herói. E como tal, conversei com o responsável pelo seu colegiado e marcamos uma reunião com os professores. Você perdeu muitas provas e trabalhos, e só faltam duas semanas para o fim desse semestre. Infelizmente não podemos simplesmente te dar os pontos, mas se você fizer todos os trabalhos e as provas nessas semanas os professores vão desconsiderar suas faltas. É claro que você perdeu conteúdo, e por isso ficaria prejudicado, e vai ter que fazer alguns trabalhos que eram em grupo sozinho. Mas se você aceitar, posso ceder um tratamento especial para você.

Não consegui falar por alguns instantes, mas logo disse:

L: Muito obrigado senhor reitor. Eu quero tentar.
R: Ok, aqui está o calendário. Você não irá assistir as aulas junto com seus colegas, vai ter uma sala só para você fazer essas provas. Todos os dias você vai ter prova. E ainda tem os trabalhos para entregar. Todos os professores se colocaram a disposição para ajudar certo?
L: Certo.

Eu estava extremamente cansado, devido ao tempo de reclusão, mas o Autor da mensagem me permitiu tirar forças de onde não tinha nada para tirar, e consegui fazer tudo. Não fui perfeitamente bem em todas as matérias. Consegui resultados satisfatórios em algumas, mediano em outras e tive que fazer exame especial em uma matéria, mas, no final, consegui passar em todas elas. Um dia me encontrei com André e disse:

L: André, primeiramente, muito obrigado. Nada que eu fizer na vida vai poder te compensar pelo que você fez.
A: Amigos são para essas coisas Lot.
L: Você sabe que o que você fez, se sacrificar por alguém aparentemente culpado, mesmo não tendo nada a ver com o assunto é muito parecido com o que o filho do Autor fez?
A: É, eu sei Lot, eu já sei de tudo isso que você sempre diz. Sério, eu acredito no seu caráter e te provei isso certo? Mas pessoas como o Guilherme e aquela tal de Marta, além dos que se dizem seguidores da Mensagem lá da sala não me deixam acreditar nessa Mensagem.
L: Você sabe que não pode basear em pessoas.
A: Ora, não é no livro que contem a mensagem que diz que pelos frutos se conhece a árvore? Eu vi muitos frutos podres.
L: Mas André...
A: Lot, eu gosto muito de você cara, sério mesmo, mas eu já te disse uma vez, vou te dizer outra. Não insista comigo que você não vai conseguir nada. Mas sempre que precisar de mim como amigo pode contar comigo.
L: É, eu sei, muito obrigado. Pode contar comigo sempre também.
A: Eu sei.

É claro que fiquei chateado sobre a decisão de André em continuar insistindo a não seguir a Mensagem, mesmo que ela tenha ido ao encontro dele, como aconteceu. Mas aprendi muitas lições com essa experiência. O orgulho, por exemplo, é um vermezinho que começa a destruir por dentro, aos poucos, sem que você perceba. Quando se dá conta já foi todo consumido por ele, não há mais volta.

Aprendi mais sobre a misericórdia do Autor da mensagem. Não só o fato de ter me livrado do orgulho antes que me consumisse, mas o fato de aceitar minha fraqueza naquele momento, e depois ainda me permitir não perder o semestre. Isso sem contar as milhares de vidas que foram influenciadas positivamente por algo que não fizemos.

Vitor e eu nos tornamos praticamente irmãos, para alegria de Pedrinho. O projeto recebeu tanto apoio financeiro que pudemos ajudar vários outros projetos com o que recebemos. As cartas que escrevemos na prisão ainda circulam por vários lugares. Nós dois sabemos que não temos poder algum, força alguma, mas sabemos também que o Autor da mensagem é quem sustenta tudo. Sabemos que toda honra e glória que recebemos na verdade são dele. Ele está ao nosso lado o tempo todo, e somos eternamente gratos por isso.




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